Livro relaciona aboio e cantorias sertanejas com culturas orientais milenares
Pesquisa durou quarenta anos e obra, a primeira de uma trilogia sobre o Nordeste, é lançada nesta quinta-feira (26)
O que as orações hindus de dez mil anos atrás têm em comum com o aboio e as cantorias nordestinos? Esse é um dos pontos abordados pelo o advogado João Monteiro Neto no livro "Aboio, Poesia, Improviso, Cantoria: Origens", que ele lança nesta quinta-feira (27), às 19h, no Gabinete Português de Leitura, no Recife. A obra é resultado de quarenta anos de pesquisa no Interior do Nordeste e em diversos países.
A fascinação pelo tema nasceu muito cedo, quando, ainda na adolescência, João viajava com o seu pai, o político João Monteiro Filho, pelo Agreste e Sertão de Pernambuco. “Eu lia Euclides da Cunha e via como ele comparava os traços étnicos do nordestino com os do povo gaúcho. Então, fui para o Rio Grande do Sul estudar a história desse povo aos 17 anos”, explica. A partir daí, começou a pesquisar o que ele considera seu “projeto de vida”, e o levou a buscar as origens nordestinas no Norte da África, na Europa, no Oriente Médio e na Ásia.
“O mantra hindu é a mesma coisa do aboio, só tem uma neuma, uma nota musical, e ele veio muito antes”, explica Monteiro Neto. Ele explica que, na tradição, o deus hindu Krishna já “aboiava”, em flauta e em voz, os bois do pai adotivo, que era pastor. Ainda de acordo com o pesquisador, essa arte de orar com uma nota só era ensinada aos jovens hindus pelos gurus muitos milênios antes da colonização no Brasil.
O estudioso explica que, apesar de a colonização ter sido majoritariamente portuguesa, o povo português recebeu influências fortes das principais religiões monoteístas do mundo, o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo - que, por sua vez, têm diversos pontos em comum com o hinduísmo, considerada a religião mais antiga do mundo. “Krishna, por exemplo, nasceu de uma mãe virgem, sem que houvesse relação sexual”, o estudioso aponta como algo em comum entre a tradição cristã, de Jesus nascendo da Virgem Maria, e a religião asiática.
Segundo estudiosos, o nascimento da entidade hindu data de 3228 anos a.C. “O português esteve na Austrália, na África, na China, e teve, através desse contato, a possibilidade de trazer pra nós essa cultura rica”, afirma. Para ele, a própria cultura portuguesa, devido a sua história com os mouros, tem também forte ligação com o islamismo.
Outra questão apontada por João Monteiro Neto é a forte influência judaica durante a colonização. “Os judeus financiavam essas grandes expedições, mas se diziam convertidos ao cristianismo por medo da perseguição religiosa”. Uma evidência dessa ascendência está no fato de Recife ter a primeira sinagoga das Américas, a Kahal Zur Israel. “O chapéu do vaqueiro é outro exemplo: observe que ele parece um quipá (boina utilizada pelos judeus).”
Para o João Monteiro Neto, mesmo as temáticas das canções bebem do judaísmo, das poesias e cantos salomônicos, que exaltam o amor entre o homem e a mulher. Do hinduísmo, vem a tradição de colocar o rival para baixo, como faziam os competidores nos torneios de cantorias diante dos deuses e imperadores. Do cristianismo, mais novo, a cantoria nordestina herda traços dos cantos gregorianos, que também utilizam uma nota só.
Tradição
Apesar da modernidade que cada vez mais alcança o Interior, o pesquisador é otimista quanto à permanência dessa tradição sertaneja no futuro. “Nossa Missa do Vaqueiro, por exemplo, é difícil hoje uma cidade do interior que não tenha uma, apesar de que a de Serrita é a mais famosa por causa da história do vaqueiro Raimundo Jacó", afirma. E observa: "No Sertão do Araripe, que é um lugar muito tradicional, eles não admitem que as tradições sertanejas morram”.
Por outro lado, ele afirma que falta incentivo dos governos do Estado e Federal para que mais estudos sejam realizados e para que essas práticas sejam mantidas. Com quase sessenta anos, ele conta que jamais teve ajuda governamental para realizar suas estudos.
Obra
Como qualquer pesquisa, também essa é bastante extensa e outros temas serão abordados e aprofundados pelo autor em mais duas que devem ser publicadas até o final de 2017, formando uma trilogia sobre o Nordeste.
Para o evento desta quinta-feira, no Gabinete Português de Leitura, são aguardados repentistas do Pajeú, que devem recriar o clima sertanejo. A obra, que tem preço sugerido de R$ 70, também terá uma tarde e noite de autógrafos no dia 4 de maio, na Livraria Imperatriz do Shopping Recife (Boa Viagem), e no dia 12 de maio, na Livraria Jaqueira (Jaqueira).
Serviço:
Lançamento do livro "Aboio, Poesia, Improviso, Cantoria: Origens"
Quando: Nesta quinta-feira (27), às 19h
Onde: Gabinete Português de Leitura (Rua do Imperador, 290, Santo Antônio, Recife)

