Os 40 anos de saudade do frevo de Nelson Ferreira
Autor compôs grandes sucessos da música tradicional pernambucana
Aos 83 anos de idade, o desenhista Luiz Carlos Ferreira recebeu a equipe de reportagem da Folha de Pernambuco no mesmo apartamento, localizado no bairro da Boa Vista, em que o pai Nelson Ferreira viveu seus últimos três anos de vida. Avesso à ideia de morar em prédios, um dos maiores compositores de frevo teve que se mudar para o endereço em 1973 com a indenização que recebera por ter tido sua casa demolida pela Prefeitura do Recife para o alargamento da avenida Mario Melo.
A contrariedade não pôde se manter por muito tempo, já que o músico, natural de Bonito, morreu no Hospital Português há exatas quatro décadas - no dia 21 de dezembro de 1976 -, aos 74 anos de idade, por conta de complicações vasculares, arteriosclerose e aneurisma localizado.
Em seguida, foi construída a Praça Nelson Ferreira no mesmo local em que ficava o adorado casarão da Avenida Mário Melo, mas essa foi uma das poucas iniciativas que o poder público tomou para manter viva a memória do músico.
“Quando morre é sempre mais complicado, não tem como ser como quando é vivo, mas fica o nome, porque teve muitas composições. Ele felizmente morreu no auge, para desaparecer seria difícil”, opina o único filho do compositor, indicando que a força das canções do pai e a tradição do Carnaval foram os principais fatores que levaram o nome do músico atravessar o tempo, sendo ainda hoje um dos maiores mestres da folia pernambucana. É de sua autoria, por exemplo, o mais famoso dos frevos de bloco, intitulado “Evocação nº1”, de 1956.
A música sexagenária gravada pelo Bloco Batutas de São José é repetida até hoje nas ladeiras de Olinda e inaugurou um novo braço do frevo que, até então, dividia-se apenas entre o frevo de rua e o frevo canção. “Nelson é um dos compositores mais importantes da música pernambucana, principalmente o frevo, porque ele criou uma escola, com um jeito muito dele de compor. Ele tornou o frevo de bloco famoso, quando antes a gente tinha a marcha rancho, mais influenciada pelo pastoril. Como os cariocas gostavam de marchinhas, parece que a semelhança da ‘Evocação nº 1’ com o estilo os emocionou e acabou se tornando o maior sucesso do Carnaval brasileiro de 1957”, explica o pesquisador Renato Phaelante, que criou Fonoteca, o centro de documentação musical da Fundação Joaquim Nabuco, onde está um dos maiores acervos sobre Ferreira.
O sucesso estrondoso de “Evocação nº 1”, que falava de carnavalescos dos anos 1920, inspirou o pernambucano a compor mais outras seis evocações, lembrando outros nomes já falecidos, mas a sequência foi interrompida por conta de uma epifania. “Ele não era supersticioso nem religioso, mas um dia parece que ele recebeu uma luz que o fez entender que talvez os mortos pudessem estar incomodados com essas evocações”, lembra o filho. Mesmo que não tenham atingido o mesmo alcance de “Evocação nº 1”, várias outras músicas de Ferreira se tornaram hinos do Carnaval de Recife e Olinda, como “Frevo da Saudade”, “Sabe lá o que é isso?”, “Gostosinho”, “Gostosão”,
“Gostosura”, muitos deles gravados por Claudionor Germano, que até hoje é o seu maior intérprete.
“Nelson foi a bandeira viva de Pernambuco e foi orientador de um grupo que se dedicou ao Carnaval daqui e ele sempre incentivou. Todos esses anos de apresentação eu devo a ele, um maestro que abriu caminho para muita gente”, observa o cantor, que gravou, inclusive, “Borboleta não é ave”. O título, também de autoria de Ferreira, é o primeiro registro fonográfico de frevo, gravado originalmente em 1922 pelo baiano Manuel Pedro dos Santos (o lançamento é de 1923).
Embora tenha ficado mais conhecido pelos frevos, também era um exímio compositor de valsas, que foi o estilo em que estreou aos 15 anos, quando fez “Victoria”, sob encomenda para Cia. de Seguros Vitalícia Pernambucana. Apesar de todo o prestígio construído ao longo de 60 anos de carreira, seu último Carnaval, em 1976, foi na Bahia, por falta de convite para se apresentar nos clubes da sociedade pernambucana, cujo grande parte do sucesso havia sido construída pelo próprio Nelson.
“A gente ia passear saindo da rua Nova e para chegar na Praça do Diário era difícil, porque muita gente o parava para cumprimentar e conversar. Era um nome muito forte, se apresentava de sábado a terça nos carnavais dos clubes mais famosos, porque fazia questão da Orquestra Nelson Ferreira ser muito boa”, lembra Luiz Carlos, sobre o carinho do pai com a música e o retorno popular.
