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[SÉRIE] Testemunhas narram os dez anos do Estaleiro Atlântico Sul

Folha de Pernambuco escutou pessoas que acompanharam de perto a formação do empreendimento, localizado no Litoral Sul do Estado

A?história do estaleiro em 1ª pessoaA?história do estaleiro em 1ª pessoa - Foto: Arthur de Souza

Quando as primeiras estruturas do Estaleiro Atlântico Sul (EAS) começaram a ser erguidas em Suape, em outubro de 2007, Pernambuco iniciava um novo capítulo em sua história: a criação da até então inexistente indústria naval no Estado. Nos anos seguintes, essa indústria foi responsável pela geração de milhares de empregos formais e por dinamizar a economia local. Ipojuca, município onde se localizam as plantas navais, alcançou o posto de segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, celeiro de oportunidades alavancadas pelos impactos direto e indireto dos empreendimentos, que movimentaram o comércio e os serviços da região. Em uma visão mais expandida, a construção do EAS em Pernambuco também era um símbolo da retomada da própria indústria naval no País, que quebrou o jejum de mais de dez anos sem produzir navios a partir da entrega do petroleiro João Cândido, primeiro feito pela empresa.

Esta é a segunda das três matérias da série em homenagem aos 10 anos do Estaleiro Atlântico Sul publicadas a Folha de Pernambuco.

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Essa indústria foi baseada nas encomendas da Transpetro, subsidiária da Petrobras, por meio do Programa de Modernização da Frota -Promef. Ao EAS, a Transpetro demandou 22 navios, cujas entregas eram celebradas em pomposas cerimônias. No caso do João Cândido, por exemplo, a "inauguração do navio" reuniu operários e o ex-presidente Lula, que fez uso do palanque político, mesmo sabendo que a embarcação estava sendo entregue com multas pelo atraso de dois anos.

Dez anos depois do começo da construção do primeiro empreendimento, o polo naval pernambucano está longe da euforia inicial. Hoje, o EAS e o Vard Promar, que opera em Suape desde 2013, atravessam trôpegos uma tempestade perfeita formada pela reestruturação de negócios da Petrobras, que cancelou várias das suas encomendas - sete junto ao EAS e duas com o Vard-, somada à recessão econômica e às ingerências políticas do País. Atingida pela perda de contratos, prejuízos bilionários e demissões, a indústria naval do Estado luta pela sobrevivência, enquanto busca se reinventar e provar que já é competitiva.

Nesta série, contamos a história dos 10 anos de indústria naval pernambucana a partir das trajetórias e depoimentos de 10 pessoas (ou grupo de pessoas). Aqui, você conhecerá parte desses personagens. Na segunda-feira (9), continuaremos a narrativa em primeira pessoa.

O presidente
CEO do Estaleiro Atlântico Sul, o gaúcho Harro Burmann trouxe a cultura de alta produtividade do setor automotivo para o empreendimento pernambucano, cujos primeiros anos de história foram marcados por erros de projeto, atrasos nas entregas e trocas constantes de comando. À frente da planta naval desde 2014, orgulha-se de ter levado o empreendimento a apresentar “ lucro na construção de navios”, feito que atribui ao ganho de produtividade.

“Redesenhamos processos e aceleramos o ritmo do aprendizado principalmente nos últimos dois anos”, aponta. Mas, também a Burmann restou a difícil tarefa de conduzir o empreendimento dentro de sua maior crise, depois que a Petrobras cancelou sete das suas 22 encomendas. Das restantes, dez já foram entregues e cinco ficarão prontas até 2019. Ou seja, o empreendimento precisa de novos contratos para evitar uma desmobilização por falta de encomendas.

Burmann evita falar do passado do estaleiro. Está interessado em fortalecer a imagem de alta produtividade, capaz de chamar atenção dos investidores internacionais. “Se compararmos a competitividade dos primeiros navios (suezmax) com os atuais (aframax), temos uma melhoria de 12 a 20 vezes, a depender do indicador. Ainda podemos dobrar a nossa produtividade nos próximos dois anos, em 10 anos, a meta é competir lá fora”, aponta.



A líder
Três dias esperando numa fila. Foi assim que Claudenice Gomes, 35 anos, conseguiu uma vaga no EAS, oito anos atrás. Perseverante, ela galgou posições na empresa até chegar ao cargo atual de líder de solda, no qual é responsável por uma equipe formada por mais de 30 pessoas (a maioria homens). “Eles me respeitam porque gosto das coisas na linha, não passo a mão na cabeça”, comenta.

A história dela se assemelha a de muitos jovens trabalhadores pernambucanos e de outros estados, sem perspectivas profissionais, que viram nos estaleiros de Suape uma rara oportunidade de conquistar qualificação profissional associada a bons salários e planos de carreira. “Quando cheguei aqui, não sabia o que fazer da vida. Descobri o mundo naval e me apaixonei”, comenta.

As novas perspectivas provaram a Claudenice, moradora de Jardim Jordão, que era possível alargar ainda mais os horizontes. “Estou fazendo faculdade de engenharia mecânica e também estudando inglês. Quando me formar, quero tentar uma vaga aqui mesmo”, conta.

O evangelista
As dimensões colossais do Estaleiro Atlântico Sul, maior empreendimento naval instalado no Estado, fazem dele quase uma cidade. Funcionários usam bicicletas para se deslocarem entre os galpões, se alimentam, descansam, fazem operações bancárias e, por que não, também celebram cultos religiosos dentro da empresa.

A capela erguida pela companhia veio a partir de pedidos dos próprios trabalhadores, muitos deles evangélicos. Entre eles está o montador de estrutura naval, Agnaldo de Jesus. O baiano migrou da indústria de petróleo há cinco anos para tentar a vida em Pernambuco. Mas, a maior mudança, de acordo com ele, aconteceu a partir da sua conversão à crença evangélica, por influência de um colega de trabalho do próprio EAS. “Mudou tudo na minha vida, até profissionalmente. Hoje sou mais focado no trabalho”, conta.

Desde então, ele assumiu, ao lado do cargo de montador, o posto de evangelizador da empresa. “Sempre compartilho uma mensagem de fé com meus colegas de trabalho. Precisamos ter fé de que o estaleiro vai ficar bem, porque assim nós também estaremos bem”, diz.

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A executiva

“Pernambucana da gema”, responde Tanielle Cavalcanti, 34 anos, gerente executiva de RH do EAS, quando perguntada sobre suas origens. Ela começou na empresa em um cargo jurídico, em 2011, mas encontrou realização na atual função de “cuidar das pessoas”, como gosta de definir. “Assumi o desafio de cuidar de aproximadamente sete mil funcionários, na época. Hoje são 3,6 mil diretos, mas também há quase 15 mil empregos indiretos”, contabiliza.

O enxugamento de quadro acelerado nos últimos anos é justificável para ela do ponto de vista operacional. “Ganhamos produtividade e fomos transparentes durante esse processo”, defende.

Ela reforça que a empresa segue investindo no desenvolvimento de seus trabalhadores. Diz que, atualmente, cerca de 350 funcionários estão sendo treinados, em parceria com o Sebrae, no Centro de Desenvolvimento Humano, que fica dentro da empresa. Ao longo da existência do EAS, já foram investidos R$ 35 milhões em treinamentos. “Da porta pra dentro, conseguimos montar um time bem preparado e estamos prontos para os desafios. Mas, infelizmente, a nossa permanência também depende de decisões externas, muitas delas políticas”, salienta.

O domador de gigantes
É preciso subir vinte metros de escadas, 65 andares de elevador e mais alguns degraus para chegar até o posto de trabalho de Moisés Batista Bezerra, 50 anos, operador de guindastes do Estaleiro Atlântico Sul (EAS). A 100 metros do solo é onde esse pernambucano se sente a vontade. Ele é um dos poucos brasileiros capazes de manejar os gigantes Goliath, dois imensos guindastes com capacidade de içar até 1,5 mil toneladas cada.

O empreendimento também é um dos poucos do País a ter esse tipo de equipamento. Foi com a força dos superguindastes manejados por Bezerra e outros operadores que o EAS conseguiu reduzir o tempo de construção dos navios em quase metade, erguendo megablocos de navios. O primeiro Goliath chegou em 2009, um ano depois do início da operação.

A atividade é altamente especializada. Para desempenhá-la, Bezerra, cuja trajetória na empresa começou em 2008 como ajudante de soldador, precisou fazer vários cursos e até teste de piloto de avião. “Aprendi tudo que eu sei aqui, me desenvolvi profissionalmente”, conta. O emprego também possibilitou a conquista da moradia, em uma casa da vila residencial do Atlântico Sul, em Ipojuca, construída em parceria com a Caixa Econômica. “Moro há cinco anos lá, sem pagar nada. Se eu completar doze anos de empresa, algo que está nos meus planos, o imóvel é meu”, aponta.

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