Dom, 28 de Dezembro

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OPINIÃO

Ciclos de riqueza e abandono: a história repetida do Alto Pajeú

Com o fim da cana-de-açúcar,  ( de Itapetim a Santa Cruz da baixa Verde tinha 10 mil hectares de cana de açúcar alambiques para produção de aguardente ) sobreviveu apenas  a aguardente Triunfo , foi-se embora não só uma cultura agrícola, mas toda uma rede de produção artesanal que dava identidade e sustento ao sertão. Os engenhos, antes vivos com o doce cheiro da rapadura, do alfenim e do mel, fecharam as portas. Restaram as ruínas, a saudade e o silêncio.

Mas o sertão é insistente. Quando se fechou o ciclo da cana, nasceu o do ouro branco: o algodão. E como produzia algodão o Alto Pajeú! Era da melhor espécie, valioso, e abastecia as indústrias de Limoeiro, do Coronel Chico Heráclito além de ser exportado para a Europa. Em Tabira, em São José do Egito, pequenas indústrias transformavam a fibra em riqueza. Parecia que, enfim, a região encontrava seu lugar no mapa do progresso.

E então, apareceu a cigarrinha. Muitos afirmam que foi introduzida artificialmente, um golpe externo para destruir nossa produção. Fato é que o algodão desapareceu como uma miragem no deserto. E com ele, desapareceu também a esperança daquele ciclo.

O sertanejo, novamente, se reinventou. Brotou o agave, o sisal — planta rústica, resistente, que parecia feita sob medida para o solo seco e a alma teimosa do povo do Pajeú. A fibra era exportada para a Espanha, para a Itália. A riqueza, mais uma vez, parecia ao alcance das mãos. Mas o conhecimento, a ciência e a orientação não chegaram. As batatas do sisal, ricas em compostos essenciais para a produção de tequila, eram queimadas por desconhecimento. Ninguém ensinou ao povo que aquilo era ouro em forma vegetal.

Se houvesse governo, se houvesse projeto, se houvesse cooperativa, teríamos feito da batata do sisal uma fonte de prosperidade. O Pajeú poderia hoje ser referência na produção de tequila no Brasil. Mas a resposta do Estado foi desinformar, orientar mal, condenar o sisal por ocupar terras onde “não nascia outra planta”. Resultado: o ciclo do sisal também morreu.

E o que restou? Uma região empobrecida, sustentada à base de aposentadorias, bolsas sociais e salários públicos. Uma terra que já foi produtiva, inovadora e cheia de possibilidades, hoje sobrevive de migalhas.

Eu vivi tudo isso. Não ouvi dizer, não li em livro — eu vivi. Estou há 54 anos aqui. Fui pioneiro na medicina do Alto Pajeú. Enfrentei resistência da Igreja, choque com os políticos, rompi com o atraso, porque queria ver esta terra crescer. Quis trazer o parto hospitalar, o planejamento familiar, a medicina moderna. E vi que, mais do que o corpo doente, era a estrutura social que precisava de cura.

O Pajeú é uma história de resistência, mas também de abandono. E minha vida, mais do que testemunhar, foi lutar contra esse abandono.

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