Cientistas divulgam manifesto contra flexibilização do licenciamento ambiental
Pesquisadores entendem que o texto em tramitação fragiliza as regras e mecanismos de análise, controle e fiscalização, em um contexto de emergência climática
Com a votação na Câmara prevista para a noite desta quarta-feira, o projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental representa “o mais grave retrocesso de proteção” da natureza desde a redemocratização e uma "séria ameaça". É o que afirma a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em manifesto divulgado nesta terça-feira. Os pesquisadores entendem que o texto em tramitação fragiliza as regras e mecanismos de análise, controle e fiscalização, em um contexto de emergência climática em que quatro biomas brasileiros “estão muito próximos dos chamados pontos de não retorno”.
No documento, os cientistas afirmam que, além de ameaçar os biomas e o bem-estar da população brasileira, o projeto é incompatível com os compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris — que visa manter o aquecimento global do planeta bem abaixo de 2°C até o final do século e buscar esforços para limitar esse aumento até 1.5°C. A organização pede que o Congresso rejeite o texto e abra diálogo com a comunidade científica antes de promover mudanças em instrumentos estruturais de proteção da natureza.
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“Se aprovado, o Poder Legislativo do país estará colocando em dúvida o papel de liderança do Brasil no âmbito dos esforços globais de mitigação e adaptação com respeito às mudanças climáticas. E isto em plena recepção, em solo nacional, da COP 30, a ser realizada em Belém do Pará no final deste ano”, diz o documento.
Professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos principais cientistas do painel climático da ONU (IPCC), o físico Paulo Artaxo entende que o projeto modifica, para pior, todo o processo do licenciamento.
— O licenciamento é o instrumento que o Estado tem para proteger os bens públicos, como nossos rios, florestas e o ar que respiramos. O projeto prevê, por exemplo, o autolicenciamento ambiental – ou seja, o próprio poluidor decide se haverá impacto ambiental. Consideramos isso inaceitável para um Estado moderno e para a sociedade brasileira — disse o pesquisador em entrevista à GloboNews nesta quarta-feira.
Para os cientistas, o projeto é uma “ameaça à Constituição Federal e aos direitos dos brasileiros”, além de uma “afronta à ciência”. Entre os pontos elencados no manifesto estão a constatação de que a aprovação do texto traria aumento potencial de emissões de carbono, dispenda de licenciamento para o agronegócio, desvinculação do licenciamento da outorga de uso da água e ameaça às Unidades de Conservação (UCs).
Outros pontos levantados são ameaças a direitos dos povos e comunidades tradicionais, a fragilização de condicionantes ambientais, a inexistência de uma lista mínima de atividades sujeitas ao licenciamento e a criação a Licença Ambiental Especial (LAE). Sugerida pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o ato administrativo estabelece condicionantes para o empreendimento estratégico ser instalado, ainda que utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente.
O novo tipo de LAE abre caminho para que explorações ou obras como na Margem Equatorial, com possível impacto à Foz do Amazonas, possam ser autorizadas com maior facilidade. Alcolumbre é do estado do Amapá e tem interesse na exploração de petróleo na faixa do pré-sal, identificado na região.
Os cientistas afirmam que as alterações propostas no sistema de licenciamento ambiental pelo Projeto de Lei (PL) nº 2.159/2021 “parecem favorecer a interesses particulares ou setoriais, pois ignoram as inúmeras evidências científicas que demonstram a gravidade da crise climática e ambiental em curso no país”.
“A Constituição Federal de 1988 prevê o licenciamento ambiental como matéria para garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental, e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. O PL ameaça esse direito que é de todos os brasileiros. Um direito fundamental para um futuro minimamente promissor num mundo sob estado de “’emergência climática’”, conclui o manifesto.

