Cortar o contato com a família é uma boa terapia?
Incentivados nas redes sociais, muitos americanos estão se afastando de suas famílias como uma medida terapêutica
Enquanto enfrentava dificuldades no segundo ano da faculdade, Zhenzhen passou horas em terapia, mas isso não resolveu o principal problema em sua vida: seus pais. De acordo com ela, seus pais ligavam insistentemente no campus, pressionando para que ela cumprisse suas expectativas – estudar administração, voltar à China, casar-se com um homem rico e criar filhos perto deles. Quando ela resistia, seu pai gritava e sua mãe chorava.
A pressão dificultava o relacionamento, e Zhenzhen se defendia de pensamentos suicidas. Mas, segundo ela, quando trouxe esse sentimento à tona aos seus terapeutas, “eles sempre apoiavam a reconciliação e diziam que ‘família é tudo’. Sempre olhavam o problema sob a ótica dos pais.”
Foi então que descobriu Patrick Teahan, um assistente social licenciado de Massachusetts, com cabelo desgrenhado e um grande número de seguidores no YouTube. Os vídeos de Teahan a apresentaram a uma nova ideia: para se curar de traumas de infância, pode ser necessário “não ter contato” com pais abusivos. Cerca de metade dos clientes de Teahan restringem ou cortam laços com suas famílias, o que ele descreve como “extremamente difícil”, mas, quando apropriado, profundamente gratificante.
No site do assistente social, você pode preencher um “Teste de Família Tóxica,” que mede sua família em uma escala de toxicidade de 100 pontos. Além disso, você pode acessar um webinar que explica como escrever uma “carta de não contato”: “Estou cortando contato para ter espaço para me recuperar desta família tóxica e disfuncional” – é o texto que Teahan sugere para a carta. Você também pode se juntar à sua “Comunidade de Cura Mensal,” onde os clientes se apoiam no esforço solitário de se desconectar da família.
Zhenzhen, que pediu para ser identificada pelo primeiro nome para falar sobre um conflito familiar, tomou uma atitude assim que se formou e começou a ganhar um salário. Para ela, o alívio foi quase imediato – foi solitário no início, mas não por muito tempo. Através do site de Teahan, encontrou outras pessoas (“família escolhida”) que apoiaram sua decisão.
— Acho que ele salvou minha vida, de certa forma — diz.
Há tão poucos dados quantitativos sobre afastamento familiar que é difícil dizer se está aumentando. Karl Pillemer, um sociólogo de Cornell que conduziu a primeira pesquisa em larga escala sobre o assunto, descobriu que 27% dos entrevistados relataram estar afastados de um parente, o que equivale a cerca de 67 milhões de pessoas nacionalmente. O estudo, portanto, sugere que é relativamente comum que pessoas na casa dos 20 anos se afastem de um dos pais, principalmente do pai, e que geralmente a ruptura não é permanente.
Mas a promoção do afastamento como um passo terapêutico está claramente em ascensão, graças às redes sociais. O TikTok, por exemplo, está repleto de relatos pessoais de usuários que dizem que cortar relações melhorou muito seu bem-estar. Há um cânone em expansão de livros de autoajuda sobre o assunto, desde “O Guia Cristão para Não Contato” até “Estabeleça Limites, Encontre Paz.”
Se os profissionais de saúde mental devem ou não incentivar essa prática, é um tema amplamente debatido. Críticos dizem que não há evidências científicas de que a separação da família seja benéfica para o cliente; pelo contrário, crianças afastadas provavelmente perderão acesso a recursos financeiros e emocionais. Além disso, tais rupturas podem prejudicar os membros da família deixados para trás, como irmãos, netos e pais idosos.
À medida que começam a se organizar online, alguns pais estão examinando os terapeutas que endossam o afastamento, argumentando que estão violando princípios éticos fundamentais. Os terapeutas são treinados para evitar impor suas próprias opiniões quando os clientes contemplam decisões importantes, para manter o princípio da não maleficência, ou seja, não causar dano. Na maioria das vezes, são ensinados a considerar as relações familiares, mesmo que falhas, como uma parte importante de uma vida plena.
Teahan, de 47 anos, não hesita em desafiar essas ideias. Ele cortou os laços com sua própria família pela primeira vez há quase 30 anos, quando a ideia ainda era marginalizada no campo da saúde mental. No entanto, isso mudou. Saindo da pandemia do coronavírus, o interesse pelo "não contato" ou "baixo contato" para curar traumas de infância cresceu tão rapidamente que Teahan reestruturou sua prática para atender a um público massivo.
— O movimento, agora, é que podemos quebrar uma norma cultural. A estrutura está se desfazendo em torno de ‘família é tudo.’ Acho que é uma coisa boa. Está ajudando as pessoas a verem as coisas de uma maneira diferente. Independentemente da conexão, abuso é abuso — afirma Teahan.
Melhor se tornar órfão
Teahan tinha 19 anos e trabalhava como garçom em Massachusetts quando teve a ideia que mudaria sua vida. Um colega o viu em seu intervalo, fumando melancolicamente, e passou o nome de um terapeuta.
Em 1997, Boston era um centro de teoria do trauma. Judith Herman, uma psiquiatra de Harvard, havia publicado “Trauma e Recuperação”, que comparava as experiências de crianças abusadas com as de veteranos de combate. Com isso, clientes faziam fila para workshops com John Bradshaw, que prometia ajudá-los a se conectar com sua “criança interior” ferida e vulnerável.
A psicóloga de Teahan, Amanda Curtin, usava esses conceitos como ponto de partida para um programa de 3 anos e meio de terapia em grupo. Muitas vezes, de acordo com ela, os clientes iam convencidos de que tiveram uma boa infância, mas ela via imediatamente o contrário: muitos tiveram pais ausentes ou workaholics, por exemplo.
— Isso é trauma, abandono e negligência — analisa Curtin.
Em grupos de oito pessoas, seus clientes revisitaram experiências de abuso ou negligência na infância, criando laços intensos uns com os outros. Curtin, então, disse que, às vezes, recomendava um “período de afastamento” temporário ou permanente entre seus clientes e suas famílias durante esse processo, como uma forma de proteger suas crianças interiores.
— Crianças têm sistemas muito frágeis. Como pais, devemos proteger nossos filhos de algo que é demais. Meus clientes não tiveram isso. Eles foram sobrecarregados com situações que eram demais para eles. Permanecer em contato com o agressor seria emocionalmente perturbador — explica ela.
Teahan entendeu imediatamente. Segundo ele, sua casa era um lugar difícil, mesmo antes de seu irmão mais velho morrer, aos 10 anos, após um ataque de asma. Seus pais, imigrantes da Irlanda, eram alcoólatras, e ele assumiu o papel de protetor de sua mãe. Uma de suas primeiras memórias é de tirar cacos de vidro do pé dela depois que seu pai jogou um prato nela.
A terapia desencadeou uma cascata de mudanças na vida de Teahan. Seu pai havia morrido, mas, sob o conselho de Curtin, ele cortou os laços com sua mãe – uma medida que ele mais tarde descreveu como “o começo para mim de ter um senso de identidade.” Ele parou de beber. Foi para a faculdade, depois para a pós-graduação e começou a gerir alguns grupos com base no modelo de Curtin, o "Processo de Recuperação de Relacionamentos".
Provavelmente é onde ele ainda estaria, se a pandemia de coronavírus não o forçasse a dedicar mais sua atenção ao público online. Seus vídeos explodiram. Teahan pode ser bruto e emocional, mas também alegre e cáustico, zombando de pais cujos filhos se afastaram. A frase “é melhor se tornar órfão do que permanecer refém” está entre as suas de efeito.
Ao responder perguntas de seus seguidores, ele frequentemente os incentiva a adotar uma postura firme: se você descobrir que sua mãe está sendo despejada? “E daí? Sei que isso soa brutal, mas temos que deixar o castelo de cartas cair onde cair”, ele diz.
De acordo com Teahan, em meados de 2020, a inscrição em seus grupos online “dispararam a ponto de eu não conseguir atender à demanda”. Ele gradualmente parou de atender clientes para se concentrar em expandir seus negócios, treinando uma nova geração de terapeutas no método de Curtin e atendendo grupos maiores online.
É um negócio muito lucrativo. A participação em sua "Comunidade de Cura", que custa US$ 69,99 por mês, agora é de 900 membros, segundo ele. Webinars à la carte, por US$ 30 ou US$ 40, orientam os clientes para escrever uma carta de não contato.
"Acho que uma boa carta é um parágrafo conciso. Curto e direto ao ponto. Não diga o por quê. ‘Você é tóxico’ é tudo o que você precisa dizer" explicou ele, durante um webinar.
A irmã de Teahan, em nome de sua mãe e dela mesma, recusou-se a comentar para esta reportagem.
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O impacto de uma ideia
Em entrevistas, os seguidores de Teahan lhe deram crédito pela mudança de suas vidas.
Zhenzhen se inscreveu nos serviços gratuitos de aconselhamento oferecidos pela faculdade, buscando ajuda para lidar com sua ansiedade, pensamentos suicidas e relacionamentos abusivos com homens. Quanto mais ela investigava, mais via esses sintomas como resultado de traumas de infância.
— Eu realmente pensava que eles me amavam — diz ela, sobre seus pais.
Mas ao alcançar a idade adulta, disse que seus pais esperavam que ela estruturasse sua vida em torno das necessidades deles, controlando-a através da vergonha e da culpa. Seu pai, segundo ela, às vezes ficava explosivamente irritado, episódios que revisitavam seus pesadelos.
Teahan, que a tratou individualmente e em grupo, foi o primeiro de seus terapeutas a sugerir que o problema não era com ela, mas com a forma como havia sido tratada.
— Ele foi o primeiro que eu vi que dizia: "Não, você não precisa se reconciliar com abusadores" — relembra Zhenzhen.
Ela enviou uma carta aos seus pais, explicando que estava cortando a comunicação por causa do abuso na família. Eles responderam com uma outra carta, mas ela jogou fora sem abrir. Zhenzhen espera permanecer em terapia por anos, mas não tem dúvidas sobre o afastamento: "Há muita cura a ser feita".
— Restaurou minha fé na minha própria vida, sob a minha gerência — afirma.
Seus pais não puderam ser contatados para comentar nesta reportagem.
Essa história era típica entre os admiradores de Teahan. Aos 20 anos, Jess, uma especialista em comunicação de saúde, começou a explorar suas memórias iniciais e concluiu que sua casa não era apenas caótica, mas abusiva. Ela disse que tinha flashbacks de sua mãe a agarrando ou perseguindo, memórias que a perturbavam, fazendo com que ela tirasse uma licença da pós-graduação.
— Era como se eu tivesse uma caixa na cabeça, dessas coisas que aconteceram na infância que mantive fechada — diz Jess, de 31 anos, que pediu para ser identificada pelo primeiro nome para discutir questões familiares sensíveis.
Seu terapeuta a ouviu com simpatia enquanto ela descrevia a bebida de sua mãe e suas mudanças de humor.
— Ele me perguntava: "Bem, seus pais vão morrer um dia e você não vai se sentir triste?" — lembra ela, referindo-se às suas sessões de terapia.
Por iniciativa própria, Jess começou a restringir o contato. Em 2019, ela faltou à comemoração do Dia de Ação de Graças e “terminou” com seus pais no ano seguinte.
Mas cortar o contato a deixou se sentindo “completamente sozinha.” Sua irmã mais nova não tinha as mesmas memórias, e isso fez Jess duvidar de si mesma. Seus pais continuaram tentando se reconciliar e, em alguns momentos, ela pensou que poderia ceder.
— Eu os amo — diz. — Eles me condicionaram a amá-los.
Foi então que encontrou os vídeos de Teahan, que chamou de “literalmente salvadores de vidas.”
— Eu apenas senti que, ok, há um profissional lá fora que acredita que é saudável em algumas situações não ter contato — afirma Jess, sobre o que pensava quando achou os vídeos de Teahan.
Ela encontrou amigos solidários na Comunidade de Cura.
— É tão reconfortante para mim saber que não sou essa pessoa horrível — acrescenta.
De acordo com ela, ainda há dias “em que adoraria poder pegar o telefone e ligar para a mãe.” Mas, no geral, sua vida está “muito melhor.”
Quando sente que está vacilando, retorna aos vídeos de Teahan.
— Estou chegando ao ponto de aceitar que eles não vão mudar. Provavelmente será uma coisa permanente — consta.
“É tudo desvantagem”
A mãe de Jess, Dianne, descreve a experiência como “ser rejeitada”. Listando as datas que perdeu nos últimos 5 anos – o aniversário de 30 anos de sua filha, as cerimônias de mestrado e doutorado – Dianne começou a chorar.
— É como um processo de luto. Mas eu não entendo como ela morreu ou por que morreu. Simplesmente não entendo o que aconteceu — lamenta Dianne.
Logo no início, há cerca de 4 anos, ainda esperando uma chance de reconciliação, Dianne escreveu para Jess, sugerindo que se encontrassem com ambos os terapeutas presentes. Jess recusou e respondeu: “nossa dinâmica familiar era tóxica, abusiva e estávamos em um impasse.”
— Ainda não faz sentido para mim. Como estamos em um impasse, se nem conversamos sobre nada? — pondera a mãe de Jess.
Aos 58 anos, Dianne sabe que teve falhas como mãe. Ela disse que foi alcoólatra, sofreu lesões cerebrais traumáticas e foi diagnosticada com transtorno de personalidade borderline. Sua casa era volátil e, de acordo com ela, “essa atmosfera provavelmente era por minha causa”. Quando suas filhas eram pequenas, tomava remédios “para não chegar ao ponto de perder a paciência porque não queria assustá-las”.
Mas ela também liderou grupos de escoteiras e ensinou na escola dominical. Ela tentou. Seus fracassos, segundo ela mesma, não justificam essa punição: a vergonha e o constrangimento.
— Imagine como é, por cinco anos, na cidade em que você cresceu, em todos os lugares que vou perguntam "Como está a Jess? Como está a Jess? Como está a Jess?". Finalmente tive que dizer: "Sinceramente, não sei. Ela não está nas redes sociais e escolheu não falar mais conosco" — relata.
Só quando contou a história ao seu cabeleireiro, Dianne soube que não estava sozinha. Outra cliente do salão estava passando pela mesma coisa. A percepção de que “não era só ela” foi avassaladora, segundo Dianne.
— Não tínhamos palavras. Apenas corremos uma para a outra, nos abraçamos e choramos juntas — conta.
Os pais têm sido lentos para se organizar, em parte porque muitas vezes estão envergonhados para admitir o que aconteceu. Mas as mesmas forças que conectam crianças afastadas (redes sociais e provedores virtuais de saúde mental) estão unindo-os. Nesses espaços protegidos, eles têm muito a dizer: estão perplexos, de coração partido e com raiva.
No verão de 2022, Brian Briscoe, um terapeuta que mora nos arredores de Dallas, foi até a caixa de correio e encontrou uma "carta de não contato" de sua filha de 18 anos. Ele leu uma vez e nunca conseguiu se obrigar a ler de novo.
— Fui pego de surpresa, desmoronei — relembra.
Briscoe, de 55 anos, se considera um “pai sensível e envolvido.” Segundo ele, está sóbrio há décadas, nunca perdeu uma apresentação de coral e, agora, pertence a um grupo de meditação budista. Na carta, sua filha disse que ele favoreceu seu irmão, e que ela sempre lutou para chamar sua atenção.
Algumas das coisas que ela escreveu eram simplesmente desconcertantes.
— Em algum momento da carta, ela diz: "É como aquela coisa de Vincent Van Gogh". Eu não sei do que ela estava falando. Você está meio que atrás de uma parede de vidro — afirma Briscoe, que sabe que não há como transmitir nada disso à sua filha.
Briscoe considera essa rejeição a experiência mais dolorosa de sua vida adulta – pior que seu divórcio ou a morte de seu pai. Em um momento de desespero, ele procurou outros pais nas redes sociais, e foi inundado com tantas respostas que fundou um grupo de apoio, "Pais Vivendo Após o Afastamento dos Filhos" (PLACE).
— Temos pessoas desesperadas e que dizem: "Não sei como vou sobreviver hoje" — conta.
Em resposta por e-mail, a filha de Briscoe, Rose, disse que cortou relações com o pai porque ele mostrava “falta de interesse em minha vida conforme eu crescia.” Ela disse que essa etapa foi “extremamente benéfica para minha vida,” e acrescentou: “Meu terapeuta e psiquiatra afirmam que minha saúde mental está em seu melhor momento desde que eu era criança.”
Ela disse que recomenda esse passo a outros, “embora seja um método extremo”. "Não é responsabilidade de um filho manter um relacionamento com seus pais", acrescenta Rose.
Muitos pais encontraram seu caminho até Joshua Coleman, um psicólogo de Bay Area cujo livro, “Regras de Afastamento: Por que Filhos Adultos Cortam Laços e Como Curar o Conflito,” descreve o afastamento e reconciliação de sua própria filha. Coleman disse que sua lista de e-mails inclui 13 mil pais que têm os filhos afastados.
— Na minha prática, vejo as gerações falando sobre umas as outras. Gerações mais jovens, que estão em terapia, vêm até seus pais dizendo que foram traumatizados, abusados, negligenciados. E os pais ficam tipo: "Do que você está falando?" — explica Coleman.
Por trás dessa onda de afastamentos, o psicólogo diz que há um limite cada vez menor para o que consideramos “trauma.” Ele aconselha os pais a não se defenderem. Em vez disso, ensina-os a escrever o que chama de “cartas de arrependimento,” desculpando-se por suas falhas e adotando a linguagem terapêutica que seus filhos estão usando.
Nessa negociação, segundo ele, seus filhos têm o poder.
— Eu digo que isso não é terapia de casal. Você não pode falar sobre como foi ferido ou traído. É mais como se seu cônjuge está disposto a lhe dar outra chance — analisa. Embora o afastamento possa ter algum benefício para filhos adultos, “para os pais, é tudo desvantagem, vergonha, culpa e arrependimento”.
Alguns pais acham essa postura passiva demais. Uma mãe descartou isso com desdém como “servilismo.” Outros, voltaram sua atenção para os terapeutas. Após sua filha cortar contato, Katy Murphy, uma conselheira de saúde mental em Iowa, começou a examinar terapeutas licenciados que incentivam afastamentos familiares nas redes sociais.
Para Murphy, que treina terapeutas em início de carreira na Universidade de Dakota do Sul, tais terapeutas violam os princípios éticos da psicoterapia.
— Um terapeuta deve ser neutro, ponto final. Não expressamos nossa opinião. Nosso sistema de crenças pessoais fica do lado de fora e entramos como uma folha em branco — explica.
No início deste ano, Murphy começou a denunciar terapeutas aos conselhos de licenciamento.
— Minha opinião pessoal é que terapeutas do TikTok estão destruindo a confiança e o profissionalismo que levaram uma eternidade para serem construídos nesse campo. O que eles querem é gerar receita: todos têm podcasts e livros — acrescenta.
Até agora, no entanto, ela não viu resultados de seus esforços.
— Tudo o que posso fazer é tornar isso conhecido — conclui.
E se os pais morrerem?
Teahan sabe o que os pais dizem sobre ele, porque às vezes o contatam diretamente, acusando-o de destruir famílias.
“Você não é a favor da cura dos relacionamentos, apenas da destruição deles”, escreveu um deles. “Você já considerou que pode causar um tremendo dano a muitas pessoas e famílias inocentes?”, relatou uma mãe angustiada. “Nossa filha não fala comigo por causa de ‘terapeutas’ como você”, disse outra.
Essas broncas não tiveram o efeito desejado em Teahan, que transformou isso em conteúdo no TikTok e Facebook, rindo descontroladamente enquanto exclamava: “Sua mãe está nas minhas mensagens”.
Em uma entrevista, ele ofereceu uma resposta mais sóbria. Geralmente, o filho tentou falar sobre suas questões por anos antes de tomar a medida extrema de cortar o contato. Para ele, quando isso acontece, os pais reflexivamente culpam o terapeuta do filho, como sua própria mãe fez, décadas atrás, porque é outra forma de descontar a experiência do filho.
Ele também não está especialmente preocupado com reclamações aos conselhos de licenciamento, que ele diz refletirem “uma velha guarda, uma resistência do Velho Mundo” ao campo do trauma.
— O mundo da psicologia tradicional pode ser muito parecido com a família de origem da pessoa, onde não intervêm, não validam, não veem o que a outra pessoa passou — relata.
Ele tem más notícias para esses pais: na maioria dos casos, seus filhos não vão voltar.
— Infelizmente, devido à toxicidade da família, quase sempre acaba como meu caso: em um estado perpétuo de não contato.
Uma pergunta que ele recebe frequentemente de clientes é se, após cortar relações com os pais, é aceitável visitá-los no leito de morte.
Teahan alerta seu público para não se deixar levar pelo sentimentalismo que, geralmente, segue a morte de um dos pais. Ele sugere realizar um “funeral simulado” para “dizer a verdade sobre os pais abusivos” ou escrever uma “carta de despedida” impiedosa para a foto dos pais, apoiada em uma cadeira vazia. Se isso não for suficiente, ele recomenda usar um taco de beisebol de espuma para bater ou quebrar coisas, como ovos ou pratos.
Outras vezes, ele responde à pergunta falando sobre sua mãe, que ele viu pela última vez há 9 anos, quando, preocupado com o efeito dela em seu filho pequeno, cortou contato pela segunda vez. Ele disse que espera ouvir, nos próximos anos, que sua mãe está “em seu leito de morte por alcoolismo,” e pensa que provavelmente a verá uma última vez.
— Quando eu era pequeno, ela era realmente meu mundo — afirma.
Lembranças de sua mãe surgem o tempo todo em seus vídeos. De fato, ela é um de seus principais assuntos. Patrick, aos 4 anos, aspirando a casa enquanto um policial tentava convencer sua mãe a prestar queixa por violência doméstica contra seu pai. Patrick, aos 6 ou 7 anos, quando a noite cai lá fora, esperando na janela que sua mãe volte de um bar.
Ele não sabe se ela já viu algum de seus vídeos no YouTube. Mas um marco de seu progresso com a terapia, segundo ele, é que não se importa mais com o que ela pensa ou diz.
— Isso parece um pouco sombrio, mas esse relacionamento com os pais é bom se essa conexão meio que morrer. Essa conexão em nossa mente morre ou desaparece — conclui.