Frustrado com Putin, Trump sondou Zelensky sobre capacidade de ataque a Moscou, diz jornal
Ligação teria ocorrido em 4 de julho, logo após a Rússia lançar seus maiores ataques aéreos desde o início da guerra; um dia antes, presidente americano e líder russo haviam negociado por telefone
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, teria perguntado ao chefe de Estado ucraniano, Volodymyr Zelensky, se a Ucrânia teria capacidade de atacar Moscou, revelou uma reportagem do jornal britânico Financial Times, publicada nesta terça-feira, com base em informações de bastidores. Segundo duas fontes familiarizadas com as discussões ouvidas pelo FT, Trump disse:
— Volodymyr, você pode atingir Moscou? Pode atingir São Petersburgo também?
Ao passo que Zelensky respondeu que sim, “absolutamente", acrescentando:
— Podemos, se vocês nos derem as armas.
A conversa teria ocorrido durante uma ligação entre os líderes no dia 4 de julho, dia em que a Rússia lançou o seu maior ataque aéreo contra o território ucraniano desde o início da guerra.
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Na véspera, Trump havia discutido com o presidente russo, Vladimir Putin, termos para um eventual cessar-fogo, mas Moscou se negou a renunciar aos seus objetivos de guerra — mesmo após o republicano ter suspendido o envio de armas a Kiev no dia anterior, em um aceno ao Kremlin.
A revelação do Financial Times acontece um dia após Trump dar um ultimato a Putin durante uma reunião na Casa Branca com o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Mark Rutte.
Em coletiva com jornalistas, o republicano ameaçou impor tarifas de 100% a países que fizerem negócio com a Rússia caso o Kremlin não aceite negociar um cessar-fogo dentro de 50 dias. Durante o encontro, o presidente americano confirmou ainda um acordo bilionário com a Otan para fornecimento de armas americanas a Kiev, incluindo sistemas de defesa Patriot, custeado pelos aliados europeus.
A conversa marca uma mudança radical na postura de Trump, que durante sua campanha à Casa Branca prometeu encerrar o envolvimento dos EUA em conflitos estrangeiros. De acordo com o jornal britânico, Trump expressou apoio à ideia de ataques dentro do território russo como forma de “fazer os russos sentirem dor” e forçar o Kremlin a negociar.
Trump disse que a ligação com Putin em 3 de julho terminou "sem progresso". O Financial Times aponta que a frustração do republicano com a recusa do presidente russo em negociar levou o americano a avaliar um apoio mais amplo à ofensiva ucraniana.
Após o telefonema, representantes dos EUA entregaram a Zelensky, durante uma reunião em Roma, uma lista de armamentos de longo alcance que poderiam ser fornecidos a Kiev por meio de terceiros, conforme relataram três fontes ao jornal britânico.
Entre os armamentos discutidos estavam mísseis de cruzeiro Tomahawk, com alcance de cerca de 1.600 km, e o sistema Atacms, já utilizado por Kiev, com alcance de até 300 km — insuficiente para atingir Moscou. O plano permitiria a Trump contornar o Congresso ao autorizar a venda de armas a aliados europeus, que as repassariam à Ucrânia.
Apesar disso, integrantes da equipe de Trump expressaram preocupação semelhante à do governo Joe Biden (2021-2025) com o uso irrestrito das armas por parte de Kiev, segundo o Financial Times. Durante a reunião com Rutte na segunda-feira, Trump especificou apenas o envio de sistemas Patriot para defesa aérea.
Trump demonstrou decepção com a falta de avanços nas negociações com Moscou durante o encontro com o chefe da Otan.
— Senti que tínhamos um acordo cerca de quatro vezes, mas isso continuava sem fim — reclamou diante da imprensa, acrescentando: — Minhas conversas com ele [Putin] são muito agradáveis, e então os mísseis são lançados à noite. Ele enganou Clinton, Bush, Obama, Biden, mas não me engana.
O Kremlin reagiu com indiferença. Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, ironizou a atitude de Trump: “Trump lançou um ultimato teatral ao Kremlin... A Rússia não ligou”, escreveu na rede X.
O governo russo se referiu ao anúncio de Trump nesta terça-feira. Em sua coletiva de imprensa diária, o principal porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que Moscou continua disposto a negociar com a Ucrânia, mas que precisa de tempo para responder às declarações "sérias" do presidente americano.
— As declarações do presidente Trump são muito sérias. É claro que precisamos de tempo para analisar o que foi dito em Washington e, se ou quando o presidente Putin considerar necessário, ele se pronunciará — disse Peskov a repórteres.
Mais cedo nesta terça, durante entrevista por telefone ao programa BBC Radio 4, Trump disse que "ainda não desistiu" de conversar com Putin, mas afirmou estar "decepcionado" com o líder russo.
— Estou decepcionado com ele [Putin], mas ainda não desisti — disse Trump . — Mas estou decepcionado. Tivemos um acordo fechado quatro vezes e então você vai para casa e vê que acabaram de atacar um asilo em Kiev. E então, que diabos foi aquilo?
A Rússia tem ameaçado retaliar caso armas ocidentais avancem sobre seu território, mas até agora não respondeu diretamente com ataques contra o Ocidente. Depois dos primeiros bombardeios ucranianos com mísseis Atacms, em novembro de 2024, Putin afirmou que a guerra havia “assumido elementos de uma guerra global”.
Em resposta, Moscou lançou um míssil experimental sobre a cidade ucraniana de Dnipro e atualizou sua doutrina nuclear, reduzindo o limite para o uso de armas atômicas.
Segundo o Financial Times, as mudanças abrem a possibilidade de um ataque nuclear russo contra EUA, Reino Unido ou França em retaliação a ataques contra seu território com armas fornecidas pela Otan.
Apesar de advertências anteriores de Washington para que Kiev evitasse ataques em solo russo, essas restrições parecem estar sendo flexibilizadas. A Ucrânia tem usado drones de fabricação própria para atacar alvos militares dentro da Rússia.
O ataque mais ousado aconteceu em junho, quando a inteligência ucraniana (SBU) lançou drones suicidas escondidos em casas pré-fabricadas que haviam sido infiltradas em território russo. A ação, batizada por Kiev de “Teia de Aranha”, destruiu ou danificou ao menos 12 bombardeiros estratégicos usados por Moscou contra cidades ucranianas.

