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Irlanda inicia escavação de vala onde quase 800 bebês podem ter sido enterrados em antigo orfa

Autoridades acreditam que antigo tanque de esgoto foi usado para ocultar corpos de crianças mortas em instituição comandada por freiras

Irlanda se prepara para exumar corpos de 796 bebês mortos em lar religioso Irlanda se prepara para exumar corpos de 796 bebês mortos em lar religioso  - Foto: AFP

As autoridades irlandesas iniciam nesta segunda-feira a escavação de uma vala comum em Tuam, no oeste da Irlanda, onde podem estar enterrados os restos mortais de quase 800 bebês e crianças pequenas.

A fossa, que teria funcionado como tanque de esgoto no passado, foi descoberta em 2014 por uma historiadora amadora e fica ao lado de um parquinho infantil.

A operação deve durar dois anos e busca confirmar a dimensão da tragédia ocorrida entre 1925 e 1961 no antigo orfanato St. Mary’s, comandado por freiras católicas.

Durante 35 anos, o local abrigou milhares de mulheres e crianças, muitas delas enviadas à força por engravidarem fora do casamento. Separadas de seus filhos ao nascer, essas mulheres viam as crianças viverem em condições precárias. De acordo com registros oficiais, 796 bebês e crianças morreram ali.

O ex-primeiro-ministro irlandês Enda Kenny classificou o local como uma “câmara dos horrores”. Até hoje, não há lápides, registros de sepultamento ou memoriais que registrem onde essas vítimas estão e em quais condições foram mortas.

A história em Tuam só veio à tona em 2014, graças a anos de trabalho da historiadora amadora Catherine Corless. Tudo começou em 2005, quando ela iniciou uma pesquisa sobre sua família e esbarrou por acaso no antigo orfanato.

— No começo, eu não fazia ideia do que encontraria — lembra em entrevista à emissora britânica BBC.

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Um coveiro levou Catherine até o conjunto habitacional onde a instituição havia funcionado. Ao lado de um parquinho, havia um gramado com uma gruta dedicada à Virgem Maria. O coveiro relatou que, na década de 1970, dois garotos estavam brincando na área quando encontraram ossos humanos sob uma laje quebrada. As autoridades foram avisadas, mas cobriram o buraco.

Na época, acreditava-se que os ossos eram de vítimas da Grande Fome do século XIX. Mas Catherine sabia que os mortos da fome haviam sido enterrados com dignidade, a meio quilômetro dali, onde há um monumento em homenagem a eles.

Mapas antigos reforçaram suas suspeitas. Um, de 1929, identificava o local como “tanque de esgoto”, enquanto outro, dos anos 1970, trazia uma anotação manuscrita: “cemitério”.

Catherine solicitou ao cartório local a lista de todas as crianças que morreram no orfanato. Esperava encontrar cerca de 30 nomes, mas recebeu 796.

— Fiquei em choque. Aquilo começava a indicar quem poderia estar enterrado ali.

Ela então buscou registros de sepultamento das crianças em cemitérios da região. Não encontrou nenhum. Sem escavações, não podia provar sua tese, mas tudo indicava que os corpos estavam naquela vala sem identificação.

Em 2014, as revelações de Catherine viraram notícia internacional, mas a reação inicial dos moradores de Tuam foi de hostilidade.

— As pessoas não acreditavam em mim — conta à BBC. — Duvidavam que uma historiadora amadora pudesse descobrir algo assim.

Uma testemunha ajudou a confirmar os relatos. Mary Moriarty morava ao lado do terreno nos anos 1970. Antes de morrer, contou à BBC que duas mulheres viram um garoto com um crânio preso a um graveto. Quando foi investigar, caiu em um buraco.

Ali, viu “pequenos embrulhos”, envoltos em panos escurecidos pelo mofo, “empilhados um após o outro, até o teto”.

Quando teve seu filho mais novo no hospital, Mary percebeu que ele foi trazido pelas freiras envolto nos mesmos panos>

— Foi aí que percebi: o que vi naquele buraco eram bebês.

Em 2017, uma investigação oficial confirmou as descobertas de Catherine. Testes no solo encontraram “quantidades significativas de restos humanos”. Os ossos pertenciam a crianças de cerca de 35 semanas de gestação até dois ou três anos de idade. Não eram vítimas da fome, constataram as autoridades.

Desde então, parentes das vítimas e sobreviventes exigem uma investigação completa. Anna Corrigan é uma das líderes do movimento. Ela descobriu que sua mãe teve dois filhos no orfanato: John e William. Só encontrou a certidão de óbito de John, que morreu aos 16 meses com “idiotice congênita” e “sarampo”. O prontuário mostra que ele nasceu saudável, mas aos 13 meses estava desnutrido. Três meses depois, morreu.

O livro de registros do orfanato diz que William morreu em 1951, mas não há documentos ou sepultura. Durante sua busca, Anna fundou o grupo de familiares de bebês de Tuam.

— Todos conhecemos os nomes deles. Sabemos que existiram como seres humanos.

A escavação que começa agora é liderada por Daniel MacSweeney, especialista em localizar corpos desaparecidos em zonas de conflito como o Afeganistão.

— É um processo extremamente desafiador, realmente inédito no mundo — afirmou à BBC.

Ele explicou que os restos estarão misturados e que o maior osso de um bebê, o fêmur, tem o tamanho de um dedo adulto.

— São minúsculos. Precisamos recuperá-los com extremo cuidado para maximizar as chances de identificação.

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