Lembranças
Na minha casa, cheia de crianças, três meninos e três meninas, num tempo não tão distante, as brincadeiras eram supervisionadas pelos pais. Após os estudos, o que desejávamos era brincar.
lha que não faltava disposição. Distante, para nossa percepção, longe o bastante para despertar os cuidados dos meus pais morava um senhor chamado Pedro Higino. Para chegar até a casa dele passávamos por uma bueira, depois o posto fiscal, onde trabalhava os senhores Eduardo Liberal, Rivadávia Nazário, Inocêncio Nobelino e Luiz Gonzaga Marques. Ali havia uma trave que ficava fechada para que os caminhões não passassem sem pagar os impostos, além da casa de dona Olindina, mãe de Enoch e Elias (gêmeos), José Elieser, José Levi, Terezinha, Lourdes, Maria José e Ana Janaina. Enoch, por morar mais perto, arrumava jucá e levava para o senhor Pedro Higino fazer um pião para ele. Com o restante da madeira, ele fazia outros piões e os vendia para quem fosse à sua casa. Era um senhor austero, abusado, de baixa estatura, gordinho, de pouca conversa, mas excelente artesão.
As madeiras que ele trabalhava eram jucá e a goiabeira, porém a jucá era a melhor para tornear seus piões. No torno onde ele fazia suas criações, ninguém chegava perto, porém de uma coisa eu lembro: cada menino dessa época tinha orgulho de possuir um pião talhado precariamente pelo velho, que morava no alto, perto do Colégio Normal. O pião, ou carrapeta, era uma das brincadeiras preferidas pelas crianças.
Na ponta do pião havia um prego caibá, o cordão era de algodão e a ponteira que enrolava na cabeça para ser puxado com força e destreza por alguma dupla de meninos a jogar e ver quem suportaria as pancadas.
Neste alto só existia duas casas: a da mãe de Enoch e a dele, que com a esposa Neves constituiu uma prole de cinco filhos: Basílio, Bráulio, Benício, Bernardete e Benone. E, para acompanhar as criações do marido, dona Neves fazia os piões de açúcar que vendia na porta do Colégio
Normal no horário do recreio, adoçando o paladar das alunas.
Da cantiga “o meu pião é feito de goiabeira, só roda na ponteira, na palma de minha mão” resta somente a lembrança da dança do pião, seja no chão, seja na palma da mão ou na ponteira. Hoje o pião gira nas lembranças de cada uma das crianças da época de Pedro Higino.
*Advogada e escritora
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