No Dia da Mentira, saiba mais sobre essa tradição secular
Famosos trotes comemorados no 1° de abril, Dia da Mentira, vêm do século 16 na França
“Caiu, caiu, caiu: 1º de abril”. Muitos remanescentes dos anos 1980 e 90 já ouviram esse jargão após caírem em um dos trotes comuns de serem aplicados por amigos e parentes para lembrar o Dia da Mentira, no primeiro dia deste mês. A meta era fazer o outro de bobo ou provocar algum susto, mas logo desmentido. A tradição é mais antiga do que a gente imagina: vem da França do século 16. Naquela época, a comemoração do Ano Novo se dava de 25 de março até 1º de abril, mas com a mudança para o calendário gregoriano a virada do ano deveria ser celebrada em 1º de janeiro.
Quem não se aquedou acabava sendo trolado e chamado de “bobo de abril”. O costuma francês ganhou o mundo ancorado na irreverência. Mas enganar é engraçado pra quem mesmo? O contexto e a dimensão das mentiras assumem e já assumiram na história alguns papeis dramáticos, revirando pensamentos e atos do coletivo social. E na sociedade da informação a dimensão delas quase sempre vira um problema em grande escala. Afinal como a mentira margeia o comportamento humano?
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Um dos primeiros pontos a serem considerados é que mentir não é natural do ser humano, mas um comportamento apreendido primeiro dentro de casa e depois no mundo social. A afirmativa é da psicóloga Rosemere Kiss Guba. “Aprende-se, principalmente, na primeira fase da infância que é fase de absorção. Ninguém nasce sabendo mentir, aprendemos por repetição ou interpretação”, comentou. O hábito que começa pequeno pode tornar-se “cabeludo” com o passar dos anos. A psicóloga destacou que contar mentiras acaba fazendo parte do cotidiano, mas que isso não deve ser negligenciado nas relações. “Seja ela qual for, por mais simples que uma pessoa julgue sua mentira, ela acarreta um transtorno na vida de qualquer um ou no coletivo”, asseverou.
Mentiras históricas - Foto: Arte/FolhaPE
Em um dos estudos mais populares sobre o tema (The Many Faces of Lies - As muitas faces das mentiras), a psicóloga americana Bella DePaulo dimensionou que as pessoas mentem de uma a duas vezes ao dia! Imagine agora ao longo de um ano ou de uma vida toda. O volume é considerável. O estudo também avaliou que os indivíduos enganam geralmente para não revelar sobre sentimentos e opiniões; ações, planos e paradeiro; conhecimentos, conquistas e falhas; explicar comportamentos; e fatos e posses.
“A mentira, em geral, traduz a prática das mentiras localizadas. Mente-se por vários motivos e também por motivo nenhum. Mente-se em nome do amor ou do ódio, em benefício de uma causa altruísta ou egoísta, para conservar um estado de coisas ou mesmo para implodir esse estado. A possibilidade de mentir está estritamente ligada ao fato de que a linguagem me permite comunicar, mas não obriga a fala honesta”, comentou o professor do Departamento de Antropologia e Museologia da UFPE, Alexandro de Jesus.
Tal comportamento, para a psicóloga Rosemere está entremeado de uma enorme baixa-estima. Atenção especial merece ainda quando a mentira toma dimensões de doença. “Isso acontece quando se torna compulsão e se chama mitomania. É um distúrbio de personalidade, um adoecimento psicopatológico. Na mitomania a pessoa perde a noção exata do real e vivência de forma extrema as próprias mentiras”, explicou.
Mentiras, comunicação e internet
Se mentir na “cara dura” ou nos “telefones sem fio” de antigamente já trouxe transtornos em outros tempos, imagine hoje com a sociedade multiconectada. “A mentira, o boato, o embuste sempre existiram, certamente desde que o homem dominou a linguagem e as estratégias ficcionais, há tempos imemoriais. O que certamente difere nosso momento atual de outros tempos, em relação à mentira, é a possibilidade de proporções geométricas de ela se espalhar, se espraiar, atingir uma infinidade de pessoas e instituições num tempo muitíssimo mais ágil”, avaliou a professora do Departamento de Comunicação da UFPE, Adriana Santana.
Ainda segundo ela, como a vinculação pessoal ou de populações à mentira é da ordem da paixão, da emoção, é muito difícil combatê-las. “Se a gente aliar tudo isso à facilidade que é disseminar a mentira com um comando de teclado, então fica fácil imaginar como desmentir passa a ser uma tarefa ainda mais árdua nos tempos de hoje”, alertou. No mesmo contexto, o professor Alexandro de Jesus é taxativo sobre a linha que separa verdade de mentira hoje: “os limites estão borrados”.


