A expansão dos canaviais aconteceu sobre as matas e agora estão sendo restauradas áreas sob risco
A cana-de-açúcar foi a cultura industrial que primeiro se instalou no Brasil, e pelo que se sabe, foi na Feitoria de Itamaracá, Mata Norte de Pernambuco, que as primeiras mudas de cana (rebolos) foram semeadas, e daí pra frente aconteceram as mudanças nos costumes, na culinária e principalmente na economia do Brasil.
O cultivo da cana foi o principal motivo de avanços na renda e nas querelas regionais, e tratando-se de desentendimentos, o maior deles foi a participação efetiva dos produtores de açúcar na Insurreição Pernambucana.
Os Senhores dos Engenhos se insurgiram contra a Companhia das Índias Ocidentais em razão da cobrança de juros extorsivos no financiamento da atividade industrial, e essa decisão motivou a classe a encabeçar a luta dos pernambucanos para expulsão dos invasores. Após a expulsão, a atividade industrial evoluiu, os engenhos transformaram-se em usinas e depois destilarias, para atender as demandas do mercado interno e externo.
No início da década de setenta, o açúcar atingiu mais de USD 100 a tonelada e o Brasil criou o Funproçúcar em 1973 para expandir os plantios de cana e produzir mais açúcar para atender o mercado externo. Nessa mesma década, o petróleo também atingiu mais de USD 100 o barril e provocou a criação do Proálcool em 1975, com a finalidade de substituir seus derivados pelo álcool e, mais uma vez, os plantios de cana foram ampliados para atender as metas governamentais.
Pernambuco, que já tinha sido o maior produtor de cana e de açúcar do Brasil, foi destronado por São Paulo no início da década de cinquenta, e por ter a Zona da Mata como única área com condições ambientais para plantar cana e atender as metas do governo federal e manter sua economia em evolução, cuidou de desmatar o que fosse necessário para estabelecer canaviais, aí a Mata Atlântica foi quem mais sofreu.
O Estado chegou a ter 36 usinas funcionando e produzir quase 26 milhões de toneladas de cana por safra em cerca de 450 mil hectares, duas vezes mais do que produz atualmente em 270 mil hectares cultivados.
Passada a euforia, o setor foi se ajustando a modernidade e ao tentar mecanizar as atividades produtivas a cana foi se afastando das áreas mais declivosas e, hoje, 13 usinas e destilarias processam anualmente cerca de 15 milhões de toneladas de canas, e os produtores mais eficientes permanecem na atividade com bons desempenhos empresariais competindo com regiões menos restritivas.
Com a necessidade de mecanizar a produção, a cana cada vez mais se afasta de encostas íngremes e com isso a mata atlântica volta naturalmente ao seu lugar de origem, seja pela brotação espontânea nas áreas descartadas para plantio ou com a recuperação feita pelos produtores.
Nesses últimos 20 anos, muito tem sido feito em benefício da recuperação dos males do passado. As empresas do setor canavieiro instalaram sementeiras e viveiros de essências florestais nativas da mata atlântica e de espécies exóticas, e empurram os canaviais para áreas mecanizáveis, se não em todo o “plantation”, mas no que for possível o uso de máquinas, desde o plantio até a colheita e depender menos do trabalho braçal.
Quando o Funproçúcar e o Proálcool foram criados, o Brasil produzia pouco mais de 91 milhões de toneladas e, hoje, produz mais de 670 milhões de toneladas de cana por safra. As produções de açúcar e de álcool nessa mesma época eram de pouco mais de 1 milhão de toneladas de açúcar e cerca de 580 milhões de litros e hoje passa de 40 milhões de toneladas de açúcar e mais de 30 bilhões de litros de etanol.
Pernambuco, por sua vez, deixou de ter uma produção irrisória e hoje produz mais de 800 mil toneladas de açúcar e cerca de 400 milhões de litros de etanol por safra, e tudo isso graças a pujança do empresariado.
Em Pernambuco, não se produz açúcar e etanol sem plantar canas, então a expansão das lavouras de cana era necessária que acontecesse, e infelizmente sobre a vegetação original, e hoje, com o atingimento da capacidade nominal racional, cabe a própria classe recuperar o que foi desmatado no início e criar a versão sustentável da Zona da Mata de Pernambuco.
Os empresários que se mantêm em produção, se envolveram nesse programa particular de restauração das áreas, e anualmente as mudas produzidas são transplantadas e vegetam áreas priorizadas localmente, além do que monitoram com rigor reservas florestais para evitar cortes seletivos, e com essa disposição muitas empresas já atingiram os 20% regulamentares de suas áreas territoriais vegetadas, como prescreve o regulamento oficial, outras estão próximas de alcançar a meta e outras ainda lutam para deixar seus campos mais sustentáveis.
A recuperação florestal da Zona da Mata, assim como de outros biomas, tem seus estágios. A medida que se descarta cultivo em determinada área, os espécimes originais afloram e se reinstalam, então essa é uma das práticas adotadas às áreas mais íngremes de cultivo de canas. Outros ambientes como matas ciliares, nascentes, córregos e mangues estão sendo vegetados com plantios de mudas nativas ou exóticas, e com essa prática, algumas usinas já recuperaram mais de 300 ha, outras mais de 500 ha, assim como outras mais de 200 ha de áreas degradadas ou desmatadas e, com isso, estima-se que cerca de 2.000 ha das matas já tenham sido recuperados na Zona da Mata.
Associações e Cooperativas de canavieiros, por seu lado, optaram por produzir e distribuir mudas aos cooperados e prefeituras com a mesma finalidade e já distribuíram mais de 100 mil mudas, suficientes para plantio de cerca de 1.000 ha.
Cada empresa ou entidade adota a providência que mais atenda sua capacidade, mas a finalidade é restaurar parte do que os plantios destruíram no passado, de modo que já se pode afirmar que “Canaviais e as matas passaram a conviver bem em Pernambuco”.
*Engenheiro agrônomo
