A Política brasileira e as Tarifas de Trump
A tarifa de 50% imposta por Donald Trump às exportações brasileiras não é apenas injusta e ilegal.
A ilegalidade fundamenta-se sob dois marcos normativos. Pelo direito americano, a tarifa de 50% não encontra respaldo na Seção 301 do Trade Act, que exige investigação formal e comprovação de práticas desleais — o que não existe no caso brasileiro. Além disso, decisões recentes da Corte de Comércio Internacional dos EUA já limitaram o uso arbitrário da autoridade presidencial em matéria tarifária. No plano internacional, a tarifa viola princípios centrais da Organização Mundial do Comércio (OMC), Trump distorce o comércio exterior para fins políticos, o que configura abuso de poder econômico e violação das normas multilaterais.
A decisão americana foi comunicada por meio de uma carta rude, fora de todos os padrões diplomáticos, com trechos literalmente copiados de outras cartas enviadas a chefes de Estado como o primeiro-ministro do Japão e o presidente da África do Sul. Foi um gesto de desdém — uma espécie de spam geopolítico —, mas que exigia, do lado brasileiro, uma reação institucional, inteligente e coordenada. Em vez disso, Lula optou por esticar a corda, adotar uma retórica soberanista e usar a crise como palco para estancar sua queda de popularidade e atacar seus adversários.
Mais grave ainda é o pano de fundo dessa conduta. A política externa brasileira tem sido conduzida, em diversos momentos, como instrumento auxiliar dos interesses estratégicos da China, especialmente no âmbito do BRICS. Na cúpula recente realizada no Rio, Lula adotou abertamente a linguagem de Pequim sobre multipolaridade, desdolarização e contenção da influência americana. Ao fazer isso, jogou o Brasil no centro do tabuleiro de uma disputa entre potências — e com isso forneceu a Trump, que opera por símbolos, a motivação que ele buscava para transformar o Brasil em alvo exemplar.
Essa escolha de alinhamento tem consequências. A afirmação de Lula, de que “não há o que conversar com Trump” após o anúncio da tarifa, revela uma incompreensão profunda da lógica da diplomacia moderna.
Compare-se com os padrões que vêm sendo adotados por outros líderes de grandes nações diante das ameaças tarifárias de Donald Trump. O primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, anunciou retaliação, mas manteve diálogo técnico e jurídico aberto com Washington. O primeiro-ministro do Japão, Shigeru Ishiba, reagiu com indignação, mas mobilizou sua diplomacia econômica em negociações setoriais. A presidente do México, Claudia Sheinbaum, respondeu com firmeza e agilidade: articulou retaliação proporcional e, ao mesmo tempo, buscou diálogo direto com Trump — o que resultou, até agora, na suspensão de tarifas exorbitantes contra seu país.
Até mesmo o presidente da China, Xi Jinping, apesar da resposta dura, manteve abertos os canais diplomáticos. Em todos esses casos, as tarifas foram evitadas — até o momento — por meio de uma combinação de firmeza e pragmatismo.
Lula preferiu a encenação. E, nesse teatro, quem pagará o preço? Buscando ganhos eleitorais para 2026, com a oportunidade para enfraquecer Bolsonaro, o governo sacrifica os interesses da economia brasileira e do posicionamento histórico da diplomacia brasileira.
Por outro lado, é preciso dizer com todas as letras: os que festejaram o ataque de Trump, como se isso atingisse apenas o presidente Lula, erram gravemente. Não se trata de Lula ou Bolsonaro — trata-se do Brasil. Quando Trump impõe tarifas ilegais e injustas ao nosso país, ele não acerta um governo. Ele atinge empresas, trabalhadores, exportadores e agricultores. Celebrar esse tipo de gesto é perder o senso do decoro cívico, e o sentido da responsabilidade pública.
Que o presidente Lula observe a lição mexicana, não apenas com a frieza do estrategista, mas com a responsabilidade de quem compreende que a diplomacia é arte de pontes — não de fogueiras. Abrir mão de negociações diretas com Washington, ainda que Trump esgrima cartas toscas e tarifas tresloucadas, seria renunciar ao tabuleiro onde se joga o destino de milhões de brasileiros.
Lula não deveria responder aos ataques de Trump com oportunismo subalterno. Porque quando a tempestade passar, restará a contabilidade implacável dos fatos: empregos preservados ou perdidos, mercados abertos ou fechados, a confiança internacional reforçada ou dilapidada.
Que falta faz um estadista na presidência. Saudade de Fernando Henrique.
