A reflexividade. A História. O Brasil hoje
O posicionamento político não deve ser submetido à polarização das convicções pessoais inarredáveis e calcificadas que trazem, por falta de flexibilização, como consequência, uma situação de enfrentamento e beligerância com perspectivas sombrias para a estabilização do Estado Democrático de Direito, incidindo no campo de fenomenologia, ciência criada por Edmund Husserl (1859-1938), para quem todos os fenômenos do mundo “devem ser pensados a partir das percepções mentais de cada ser humano”, submetendo-se assim a capacidade reflexiva de cada indivíduo a um processo de conscientização que fortalece as convicções sem mistificações”.
A reflexão leva ao autoconhecimento e a opção por valores condizentes com a realidade objetiva pretendida, sem a dependência das redes sociais e de grupos empresariais descompromissados com a verdade oportunizando a ingerência de noticiários de televisão e jornal, muitas vezes ajustados aos interesses corporativos não confessados, em detrimento dos fatos reais.
Defender a não regulamentação das redes sociais em nome da liberdade de expressão é deixar fora de controle a expansão desmedida das fake news, eficiente veículo de disseminação de inverdades comprovadas e adotar postura diversionista em favor da mentira lamentosa.
Nada que vislumbramos no mundo conflagrado de hoje é novo. Quando Trump ameaça anexar a Groenlândia, o Canal do Panamá e o Canadá, ele não está inovando. Ele está se reportando a multiplicação em 17 vezes do território inicial dos Estados Unidos. Quando Putin invade a Ucrânia a história vai mais longe, remete a Catarina, a Grande, que foi imperatriz da Rússia de 1762 a 1796, oportunidade em que mandou invadir a Crimeia e a Ucrânia, ocupando faixas territoriais, apenas se cumpria a vocação expansionista do país. E note-se que a Crimeia era parte da Federação Russa no tempo de Stalin que a cedeu à Ucrânia. A atual guerra contra a Ucrânia é uma ação megalomaníaca visando à restauração de um país imperial por tradição.
Com constância vemos surgir nos meios de comunicação fortes críticas ao Poder Judiciário atribuindo exacerbações nos procedimentos a ele inerentes, minimizando os fatos gravíssimos que se encaminham na direção da quebra na ordem democrática duramente reconquistada depois de penosos vinte e um anos de ditadura sanguinária de ditadores que se revezavam num ciclo ditatorial atípico, deixando um rastro infindável de crimes horrendos que incluíam, entre tantos, o desaparecimento de pessoas, estupros, tortura física e mental, cassações injustas, banimento, censura e uma lista imensa de vários ilícitos, cujos autores permaneceram impunes alcançados por uma lei de anistia por eles próprios elaborada, inclusive os ditadores do Estado de Exceção, que jamais sentaram no banco dos réus.
Sendo o Brasil um país de pouca tradição democrática, não é surpresa que, mais uma vez estivéssemos na iminência de um Golpe Militar no dia 08 de janeiro de 2023, na consumação dos atos preparatórios acalantados nos pronunciamentos e ações do então presidente Jair Bolsonaro, hoje réu, e nas manifestações dos seus acumpliciados, dependentes e acólitos.
O que é surpreendente é vermos uma campanha orquestrada de alguns setores sociais contra o Poder Judiciário, especificamente o Supremo Tribunal Federal que, pela maioria dos seus integrantes, protagonizou a defesa do Estado Democrático de Direito como jamais ocorreu em outros tempos, assumindo uma postura legalista, irretocável, assentada nas provas coligidas pela polícia federal, nas delações premiadas, nas confissões dos próprios réus, situações fundamentais para se alcançar a parte central, o núcleo da trama golpista onde se encontravam os militares de altas patentes, historicamente impunes, por atentarem contra a ordem constitucional.
E tudo isso aconteceu no Brasil de hoje, sem subterfúgios, com provas e confissões, com amplos direitos assegurados, só possível em um estado livre, pluralista e democrático.
Essa animadversão contra o Supremo Tribunal Federal nega a reflexão. Agride a história e ignora o Brasil de hoje.
* Procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco.
Diretor Consultivo e Fiscal da Associação do Ministério Público de Pernambuco. Ex-repórter do Jornal Correio da Manhã (RJ).
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