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Da bola ao gato: entre Newton, Schrödinger e o Direito Brasileiro

Imaginem a cena de você, no parquinho, com uma bola nas mãos. Ao empurrá- la, ela se movimenta. Ao cessar o impulso, ela ainda rola um pouco antes de parar. A explicação? Está na Física Newtoniana. Não sabia eu, no Colégio São Luís, até os primeiros rudimentos de compreensão da ciência física.

Com ela aprendi que, há mais de trezentos anos, Isaac Newton formulou três leis fundamentais que explicam os movimentos do mundo. A primeira, a Lei da Inércia, ensina que um corpo em repouso permanecerá em repouso e um corpo em movimento continuará se movendo em linha reta, a menos que uma força externa aja sobre ele. “A bola rola até que o atrito e o ar a façam parar”.

A segunda lei é resumida pela equação F = m × a (força é igual à massa multiplicada pela aceleração). Quanto mais força aplicamos, maior será a aceleração — mas quanto maior a massa, mais força é necessária. Simples assim. Confesso que sou um Físico frustrado, já disse outras vezes.
A terceira, o Princípio da Ação e Reação, afirma que toda ação gera uma reação de mesma intensidade, mas em sentido oposto. Você empurra a bola — e ela empurra de volta. Quando criança, no pula-pula, ao pressionar a lona, ela revida com força equivalente e assim voamos em sonhos e por ares de deslumbramento do fantástico.

Com essas três leis e matemática básica, passei a entender a explicação para maçãs caindo a foguetes decolando, outra confissão, também sonhei ser astronauta, mas terminei fazendo Direito na Faculdade de Direito do Recife – UFPE e lá, por muito tempo, essa clareza também influenciou minha percepção para o direito: regras estáveis, previsíveis, lógicas, ledo engano. Eis que me orgulho de nenhum dos quatro filhos ter feito direito; três médicos e um administrador.

Mas eis que o século XXI chegou, com sua fluidez, complexidade e incertezas. E com ele, talvez sem percebermos, outra física começou a inspirar o mundo jurídico: a física quântica.

Imaginem agora o famoso gato de Schrödinger. Um gato trancado numa caixa, ao lado de um frasco de veneno que só será liberado se um átomo radioativo decair — evento incerto e aleatório. Até abrirmos a caixa, o gato está, segundo a física quântica, simultaneamente vivo e morto. Um estado chamado superposição. Ao observarmos, a função de onda colapsa, e o gato se torna definitivamente uma coisa ou outra, acham estranho? Mas não é. Absurdo? Talvez.

Mas é aí que reside a ironia de Schrödinger. Ele queria mostrar como as leis quânticas desafiam nosso senso comum. E, pasme, nosso direito, hoje, talvez esteja mais próximo de Schrödinger do que de Newton.

Afinal, não é raro que a interpretação de uma norma, no Brasil, dependa menos de sua letra e mais de quem a observa — ou interpreta. O mesmo dispositivo legal pode ser "vivo" ou "morto", conforme o intérprete e suas circunstâncias personalíssimas. E a decisão só colapsa — ou se concretiza — no momento do julgamento, quase sempre contingente e “intransitável em julgado” pois, a depender do momento do olhar, “o gato sempre poderá estar vivo ou morto”.
 
Assim, o Supremo Tribunal Federal, com sua jurisprudência ora fluida, ora contraditória, se aproxima de um "Tribunal Federal de Schrödinger". Um tribunal onde o mesmo princípio pode coexistir em múltiplas formas até que o voto do relator determine a realidade jurídica mais adequável.

Entretanto, diferentemente das partículas subatômicas, o Direito lida com pessoas, instituições, contratos, vidas. E quando as regras se tornam elásticas ao sabor das marés políticas ou das contingências do momento, o resultado não é sofisticação hermenêutica, mas insegurança jurídica.

E é justamente aí que mora o perigo: quando interpretações jurídicas oscilam conforme o vento ou a plateia, o que temos não é evolução normativa — mas oportunismo travestido de jurisprudência. Em tempos de "spins" judiciais, onde o que vale hoje pode não valer amanhã, a única certeza é a instabilidade. E nesse cenário, o Estado de Direito deixa de ser sistema e vira aposta. Feliz 2026.


* @rodrigopellegrinoaz / X: @PellegrinoRod / LinkedIn: Rodrigo Pellegrino de Azevedo

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