Educar não é agradar
Vivemos tempos em que muitas escolas parecem ter perdido a voz. Silenciaram convicções pedagógicas diante da pressão crescente de famílias que, em nome da satisfação imediata dos filhos, transformaram o ato de educar em uma prestação de serviço rápida, agradável e sem atrito.
A matéria do professor Renato de Faria, publicada no site Ludicidade, sob o título “Escola que diz amém: o fim da pedagogia e o começo da parentalogia”, denuncia com coragem esse cenário. Ao retratar escolas que evitam o conflito a qualquer custo, ele revela o risco da chamada parentalogia, um modelo em que a autoridade da família se sobrepõe ao projeto educativo, anulando o papel do professor e enfraquecendo a formação dos alunos.
Essa crítica encontra eco em Paulo Freire, especialmente nas obras Pedagogia da Autonomia e Pedagogia da Tolerância. Freire nos lembra que ensinar exige risco, compromisso ético e coragem para sustentar o desconforto inerente ao processo formativo. “Ensinar exige autoridade”, afirma ele, não como exercício de poder arbitrário, mas como expressão da autoridade ética de quem educa com afeto, responsabilidade e consciência.
Ao contrário da lógica do “cliente sempre tem razão”, Freire propõe uma educação como prática da liberdade, onde o diálogo é essencial, mas não significa submissão. A escola precisa escutar, sim; mas também precisa sustentar a palavra, a própria filosofia e o propósito. Como ele escreve: "A prática educativa é um ato político. A docência exige de mim uma presença firme, crítica, ética e amorosa." Quando a escola apenas diz “amém”, troca a formação pela concessão, a crítica pela conveniência, a parceria pela obediência.
É preciso, então, que as famílias se perguntem: que tipo de adulto estamos formando ao ensinar que basta querer para ter? Que basta reclamar para que o mundo se adapte aos seus desejos? Ao negar o limite, o conflito e o “não”, deixamos de formar o caráter, porque caráter também se constrói na espera, no esforço, na frustração, não no atalho da satisfação imediata.
Quando a escola evita o atrito, e a família exige facilidades em nome do “bem-estar”, abre-se espaço para a formação de sujeitos que não sabem ouvir, não sabem perder, não sabem ceder.
Sujeitos incapazes de reconhecer o outro, de conviver com o diferente, de dialogar sem desmoronar. Ao proteger da dor, enfraquecemos a potência. O que parece cuidado pode ser, na verdade, um descuido profundo, que trará repercussões drásticas para o futuro.
Uma educação que evita o embate para não desagradar, esvazia o sentido formador. Educar é formar e formar também é frustrar, provocar reflexão, e principalmente sustentar limites. É assim que se constroem vínculos verdadeiros e a percepção da família como porto seguro. A escola deve abrir suas portas, sim; ouvir as famílias, sim; mas não pode se submeter a elas. Porque educação não é sobre agradar, é sobre transformar.
A escola não é um comércio, e quem educa não é um prestador de serviço. Famílias devem caminhar junto da escola, mas não ocupar o lugar da condução. Afinal, são os educadores que estudaram, se prepararam e dedicaram suas vidas à arte de formar, com saber técnico, sensibilidade e compromisso humano.
No fim das contas, não há verdadeiro amor sem responsabilidade, nem verdadeira educação sem coragem, e é disso que nossos filhos mais precisam para crescerem com saúde mental, resiliência, segurança e pensamento crítico. Afinal, queremos filhos felizes a qualquer custo ou preparados para serem felizes apesar dos custos da vida?
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