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OPINIÃO

ENEM: um exame desastroso

O equívoco central do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) reside na padronização dos conteúdos das provas de Matemática, Física, Química e Biologia para todas as áreas do conhecimento. É inaceitável que o conteúdo programático de Matemática exigido de candidatos às carreiras de Exatas e Engenharia seja idêntico ao dos alunos de outras áreas, ou que o programa de Biologia destinado à área da Saúde seja o mesmo para futuros engenheiros. Nos anos 70, os exames eram específicos, e o ENEM poderia resgatar essa estratégia de maneira simples. O formato atual exerce um impacto profundo e negativo na abordagem da Matemática no Ensino Médio: conteúdos cruciais para as Engenharias são lecionados superficialmente ou ignorados pelas escolas, sem que isso afete a nota final dos estudantes.

A Matemática utiliza propriedades lógicas e aritméticas para transformar uma expressão em outra. Por exemplo, a partir da Lei da Gravitação Universal, calcula-se com precisão a trajetória de um foguete; ou, mediante propriedades de ondas eletromagnéticas, recupera-se o sinal de rádio multiplicando-o pela função seno em determinada frequência. Podemos encarar a Matemática como uma linguagem e estas propriedades como sua gramática. Para conceber aplicações sofisticadas, o domínio dessa linguagem é essencial. No entanto, o exame ignora a manipulação rigorosa de expressões matemáticas - fundamentais para a aplicação técnica - por não serem consideradas "lúdicas". Às avessas, privilegia questões com contextualizações superficiais e distantes da realidade. Consequentemente, torna-se uma ferramenta ineficaz para a seleção em Engenharias e Ciências Exatas. A maior parcela dos aprovados ingressa com uma base frágil, resultando em reprovações massivas nas disciplinas de Cálculo das universidades federais e em altos índices de evasão.

Estima-se que mais de 40% dos tópicos abordados no ENEM possuam excesso de detalhes e pouca relevância para a formação acadêmica superior. O programa de Matemática para alunos de Exatas carece de profundidade: a trigonometria foi reduzida ao triângulo retângulo, e funções essenciais (linear, quadrática, exponencial e logarítmica) são cobradas de forma rasa. Tópicos como duplicação e divisão de ângulos são inexistentes. Em contraste, nos anos 70, a trigonometria exigia o estudo denso de livros clássicos. Paralelamente, o conteúdo de Biologia é exagerado para as Exatas, enquanto nas provas de Humanas e Linguagens, certas questões apresentam textos longos e premissas ideológicas polêmicas, tratando narrativas subjetivas como verdades absolutas. Devido à generalização dos conteúdos, independentemente da aptidão do aluno, o estudo resume-se a arquivos PDF sintetizados e apostilas, abandonando-se os livros clássicos. O ENEM está, de fato, prejudicando a formação no nível médio de forma alarmante.

A atual estrutura de 180 questões e uma redação, concentrada em apenas dois domingos, é extenuante e gera uma mistura confusa de conteúdos. Além dessa fadiga física, o modelo denso potencializa falhas estruturais - como vazamentos, erros de impressão e de logística - que colocam em risco mais de 4 milhões de candidatos. Diante desse cenário de saturação e insegurança, torna-se imperativo redistribuir o exame em três domingos, adotando provas específicas para as três grandes áreas do conhecimento. 

Algumas universidades federais já adotam seus próprios processos de entrada. As públicas de São Paulo fazem isso. Por exemplo, a Universidade de Brasília (UnB) já utiliza um sistema próprio de vestibular, mas pode usar a nota do Enem em processos seletivos específicos. A Universidade Federal de Lavras também adota processos seletivos próprios. 
Em suma, tal al mudança alinharia o processo seletivo à filosofia de Adam Smith, pai da economia moderna, que em "A Riqueza das Nações" destaca a divisão do trabalho e a especialização como motores fundamentais para o crescimento e a eficiência de uma nação.

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*Professores titulares da UFPE e membros da Academia Pernambucana de Ciências 

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