Qui, 18 de Dezembro

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opinião

Haja peroba e muita contestação institucional

Eu sei que a vida não tem manual de instruções, para efeito de uma sociedade que não desmente a ordem de grandeza da sua pluralidade. Entretanto, chegar ao primeiro quarto do século XXI, num ambiente espantoso de inovação tecnológica, para ainda constatar retrocessos civilizatórios, representa algo que me deixa perplexo. Em largo sentido, por que essa sociedade ficou mais ainda contraditória, quando diante de tantos avanços materiais, o caldo do humanismo que sempre foi desejado, bem me parece ter sido descartado? 

Dissimulações, preconceitos e agressões que, teoricamente, seriam padrões de comportamentos menores, assumem um amplo pragmatismo de instinto irracional, que transparece estar hoje na essência humana. Sinto que fomos competentes para operar no limite da habilidade, cognição e liderança, quando desafiamos o natural a ponto de se ter acesso a uma inteligência artificial.  Mas, ao mesmo tempo, observo que muitos seres, desse mesmo estágio humano evoluído, agem como se trogloditas ainda fossem. E, assim, surgem esses novos bárbaros. Algo tão surreal, que me faz confessar o quanto isso me instiga e incomoda. Um contexto que me exige reflexão e desabafo.

Nessa pegada, percebo que não faltam indivíduos que ousam nas suas renovadas insolências. Não se importam com seus exercícios contínuos para fazerem de constrangimentos alheios uma rotina. Nessa mesma linha, também nada fazem para respeitarem os pensamentos e opiniões dos que lhes cercam, em ambientes de convivência que,  supostamente, carecem ser validados por mínimos princípios democráticos.

Vive-se, então, um tempo no qual o instinto humano parece ratificar a quebra das boas relações sociais. Cada vez mais, com o uso abusivo de instrumentos de comunicação, que agem ao bel prazer como difusores de verdades absolutas. Nesse "ecossistema" de frágeis relações humanas, é quando vejo que os "caras de pau" estão consagrados e consolidados. Vale dizer que, bastante despreocupadas com o senso de vexame e ainda capazes de atropelarem regras, leis e instituições. Nunca a indústria de "óleo de peroba" operou no ápice do pleno emprego. Nunca os marcos civilizatórios se viram tão ameaçados de subsistência. 

Bem, se preciso ousar para dar "nome aos bois", sigo em frente. Afinal, exemplos atuais de estupidez e barbárie estão aí. Embora que, só aos olhos de quem ainda acredita numa mínima condição de lucidez e sensatez. É por essa razão que, com o devido equilíbrio, destaco dois contextos vitais. 

De um lado, tenho que realçar um lamentável ambiente político, no qual suas contradições naturais promovem ao extremo, a prevalência de rigores ideológicas. Justo os que fazem acontecer, sem escrúpulos, quebras de decoro, birras infantis e retaliações nada republicanas. No contexto atual desta legislatura, muitas das peças constituídas se aproximam da incompetência e inutilidade.

Por outro lado, não há como deixar de trazer à cena um grave e atual drama social: o "crime de feminicídio". Diante dessa dura realidade criminal, o "óleo de peroba" segue aqui num uso desenfreado e institucionalizado. Afinal, esse tipo de crime se reproduz de modo contínuo e inescrupuloso. Retrato de um país que se vê ainda mais ameaçado, no seu marco civil e na sua estabilidade social. 

Ao mirar no quadro político, claro que não me atenho às situações específicas. Num plano geral, tenho a destacar uma configuração política, que parece alcançar seu auge de estupidez. Não importa se o assunto tenha impacto econômico, social, ambiental ou de outra igual magnitude. O que cabe, simplesmente, é o nível de interesse de certos agentes políticos. Tanto faz se em defesa do que seja particular ou familiar. Ou mesmo, que seja associado a grupos ou entidades que não evocam o interesse público. 

A situação chegou a tal ponto, que a economia e a política assumiram campos opostos, agindo nos extremos. Em quase todas ocasiões de embate, parece não fazer sentido aquilo que se estudou, pesquisou e formulou, seja qual for a área de conhecimento. Ou seja, o interesse público não está em conta. Isso porque o óleo de peroba usado, parece mesmo suficiente para ousar, no seu jeito firme de constranger a sociedade. 

Nesse vale tudo, vejamos como se efetivam algumas manobras parlamentares: 
a) reagir ao direito constitucional de outros poderes, trazendo à pauta de votações projetos engavetados; b) contrariar seu próprio discurso, se o interesse pessoal prevalecer; c) negar as próprias negociações que já estavam em curso com os adversários. Enfim, a vingança me parece explicita em vários casos, pois o que resta é agir com retaliações.

Tão ou mais preocupante, parece-me ser o outro exemplo que aqui trago, enquanto quebra sutil da institucionalidade. Certamente, que esse desastroso ensinamento político se vasculariza pela sociedade e através desta chega a assumir um padrão, que se ajusta aos níveis da violência cotidiana. É como se aquela dita estupidez da cena política fosse extravasada, desta vez, por agentes sociais já estimulados por outras práticas de agressão gratuita. 

Nesse particular, chama-me mesmo a atenção a repetição exponencial do feminicídio. Um fenômeno social que põe o país diante do risco de um retrocesso avassalador. Afinal, o que pode explicar a frequência com a qual homens agridem mulheres, mesmo diante de punições já estabelecidas pela legislação vigente? Por que essas cenas de terror se renovam,  diariamente, mesmo diante da tanta exposição dada por diferentes meios de comunicação? 

Se há o que explicar, diante dessa barbárie, penso que a essência do antissistema e da quebra de padrões institucionalizados infringem regras e leis por conta de ideais superiores. Nisso, não há limites para preconceitos que estimulem reações violentas e/ou armadas. Até os excessos de egocentrismos, com culto a corpos que parecem merecer os desafios da força, podem justificar tanta brutalidade.

Com esse modelo tão adverso, torna-se complexa a conquista de um necessário marco civilizatório. E, por isso mesmo, aumenta-se a demanda por mais óleo de peroba. E, assim, essa indústria segue aquecida, pois poucos percebem o quanto a sociedade está frágil e carente. Sem promessas rápidas de correção de rota.



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