Sex, 05 de Dezembro

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opinião

Limites éticos e riscos reais à saúde ocular com a ceratopigmentação cosmética no Brasil

Nos últimos anos, a chamada ceratopigmentação, técnica que insere pigmento na córnea para alterar a cor dos olhos, tem ganhado visibilidade em redes sociais. Famosos e pessoas comuns têm buscado fora do Brasil o procedimento para fins puramente cosméticos. Contudo, essa popularização levanta uma séria discussão sobre ética profissional e a segurança da saúde ocular dos pacientes.

Como médica oftalmologista com experiência em doenças da córnea, considero essencial esclarecer que a ceratopigmentação não deve ser utilizada com finalidade meramente estética em olhos saudáveis. Esse tipo de procedimento, muitas vezes vendido como inofensivo, pode acarretar riscos irreversíveis e comprometer permanentemente a visão de pacientes que antes estavam em plena saúde visual.

Entre os riscos mais graves estão infecções oculares, inflamações crônicas, glaucoma, olho seco e até cegueira. Em muitos casos, o pigmento depositado pode dificultar diagnósticos futuros ou inviabilizar cirurgias, como a cirurgia de catarata. Isso é inaceitável quando o motivo é unicamente estético.

Do ponto de vista ético, é fundamental lembrar que a medicina deve primar pelo benefício real ao paciente e pela não maleficência. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia e o Conselho Federal de Medicina já alertaram: a ceratopigmentação só deve ser indicada em casos excepcionais, quando há cegueira irreversível, deformidades estéticas significativas e sofrimento psicológico associado. Nessas condições, ela pode oferecer, sim, um benefício real, não à visão, mas à autoestima, dignidade e integração social.

Tenho orgulho de já ter realizado ceratopigmentações reparadoras em pacientes com cegueira ocular e grande comprometimento estético. Em todos os casos, houve critérios técnicos rigorosos, consentimento informado e estrutura hospitalar adequada. O foco jamais foi a vaidade, mas a recuperação da identidade e do bem-estar daqueles que conviviam há anos com a deficiência estampada no rosto. 

Por isso, é preocupante assistir à banalização de um procedimento tão delicado, promovido como "embelezamento". Em vez de beleza, essa escolha pode levar a dor, complicações graves e arrependimento permanente. 

Que padrão de beleza é esse que se pretende atingir? A que custo? A medicina ocular não é lugar para experimentações cosméticas com órgãos tão essenciais à vida. É função do oftalmologista preservar e proteger a visão, e não arriscar sua integridade por desejos passageiros ou pressões estéticas.

Enquanto profissional da saúde e cidadã, defendo o uso da ceratopigmentação apenas dentro de critérios reparadores, éticos e bem definidos. Nossa prioridade deve ser, sempre, a saúde ocular.
 


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