Rally 'Round the Flag: o breve impulso que protege Lula mas até quando?
Todo especialista em opinião pública conhece o mecanismo: diante de ameaça externa, o eleitor médio relaxa suas críticas e fecha fileiras em torno da liderança nacional. JohnMueller batizou o fenômeno de rally ’round the flag (união entorno da bandeira) ao observar saltos na popularidade presidencial nos Estados Unidos em momentos de guerra ou crise internacional.
A lógica é simples: (1) o conflito desloca o foco da política interna para a defesa da soberania; (2) reduz se a paixão partidária, pois o debate passa a ser travado em dimensão patriótica; (3) a coesão, porém, dura apenas enquanto a causa externa permanece no centro da atenção.
É exatamente esse script que a rodada de julho da pesquisa Genial/Quaest sugere estar em curso no Brasil. A aprovação do governo Lula, que vinha se erodindo de modo acentuado, desde o início do ano, registrou, neste levantamento 43% de aprovação, contra 53% de desaprovação, uma inversão de três pontos percentuais em relação ao mês anterior. Ainda é ruim, mas deixou de piorar. No Sudeste, região mais populosa do país e bastante refratária ao presidente, a aprovação saltou de 32% para 40%, enquanto a reprovação diminui de 64% para 56%. Nenhuma medida do governo explica a virada: o gatilho foi a carta de DonaldTrump anunciando tarifas de 50% sobre a importação de produtos brasileiros.
Os números mostram claramente a ocorrência do efeito rally. Quase 80% dos entrevistados declaram que as tarifas prejudicarão sua própria vida, mas 53% aprovam a resposta dura de Lula. Mais: 55% reconhecem que o presidente provocou Trump no encontro dos BRICS e, mesmo assim, 44% julgam que Lula e o PT “fazem o que é mais certo”, diante do episódio, contra 29% que atribuem razão a Bolsonaro e seus aliados. Trump, por sua vez, é visto como injusto: 63% consideram falsa a tese de relação comercial desequilibrada e 72% dizem que impor tarifas sob pretexto de perseguição a Bolsonaro está errado. A equação é clara: ainda que Lula tenha acendido o estopim, a percepção de agressão externa gerou solidariedade instantânea ao chefe de governo — a quintessência do rally ’round the flag.
Esse alívio, entretanto, traz prazo de validade. Primeiro, porque a boa vontade cívica não anulou o ceticismo: 79% temem o efeito das tarifas no bolso. Segundo, porque a transferência de voto permanece modesta: a carta de Trump faz apenas 19% preferirem Lula e outros 19% preferirem Bolsonaro; 53% não se inclinam nem para Lula nem para Bolsonaro. Terceiro, porque a rejeição entre evangélicos continua crescendo, saltando de 66% para 69%, demonstrando que nesse segmento o efeito não ocorreu.
Por fim, a história comparada mostra que, superada a crise, o eleitor frequentemente pune quem explorou o conflito para ganhos pessoais. Foi assim com GeorgeH.W.Bush, cuja aprovação caiu de 89% no pós Guerra do Golfo (1991) para níveis que permitiram a vitória de BillClinton em 1992; e com a Junta Militar argentina, derrubada quando a embriaguez das Malvinas cedeu à realidade da derrota.
No cenário brasileiro, o risco é concreto, pois Lula está, de modo calculado, tirando proveito da situação. Caso o efeito rally se dissipe às vésperas de 2026 e a oposição apresente um candidato de direita ou centro direita que não carregue o desgaste da família Bolsonaro, a maioria silenciosa que hoje apoia Lula no embate externo pode migrar em busca de solução econômica interna. Os 79% que temem prejuízos já formam um contingente pronto para voltar a julgar o governo pelos indicadores de renda, emprego e preços. Sem o catalisador da disputa tarifária, os velhos problemas retomam proeminência, e a proteção simbólica da bandeira (Flag) se desfia.
A Quaest sinaliza que o rally está vivo, mas também evidencia o seu caráter provisório. Lula ganhou fôlego, não terreno. Resta lhe, portanto, o gesto mais audacioso: converter a retórica de trincheira em diplomacia direta, sinalizando a Trump — e ao eleitorado doméstico — que a defesa da soberania não exclui o pragmatismo. Se Lula souber pivotar do confronto simbólico para uma mesa de negociação construtiva, preservará o capital político recém adquirido e poderá até ampliá lo, ao demonstrar capacidade de transformar indignação em solução. O contrário implicará manter o país na rota de um choque comercial que, segundo projeções, pode custar até um ponto porcentual ao PIB, ainda nesse ano. Assim, a grande aposta já não é soprar mais forte sobre a bandeira, mas garantir que ela continue tremulando depois que o vento da ameaça externa cessar — para o bem do governo e, sobretudo, do Brasil.
