Sáb, 27 de Dezembro

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OPINIÃO

Sobre a regulação das mídias sociais

Estamos em Julho de 1975, em Recife. Nos dias 17 e 18 daquele mês de Julho, o Rio Capibaribe e os córregos elevaram rapidamente seus níveis e transbordaram, inundando bairros inteiros. Cerca de 80% da cidade foi atingida. A origem do problema foi o transbordamento da Barragem do Rio Tapacurá, em Jaboatão dos Guararapes, município há poucos quilômetros de Recife. Na manhã do dia 21/7/1975, a capital do Estado de Pernambuco, flertou com o caos. Por volta das 10 horas, teve início a propagação de uma informação falsa, um boato criminoso, segundo o qual a Barragem de Tapacurá, construída dois anos atrás, havia transbordado, um enorme volume de águas estava a caminho, e Recife seria destruída em poucas horas (o reservatório tinha capacidade de armazenar 94,2 milhões de m³). Tapacurá estourou! Esta era a informação replicada rapidamente, e que provocou histeria, pânico e terror

Durante cerca de uma hora, a população se viu apavorada, correndo de um lado para outro. Mulheres desmaiavam, perdeu-se o controle do trânsito, com acidentes e atropelamentos, ônibus foram invadidos enquanto os mais desesperados saltavam pelas janelas. Até uma boa parte dos doentes abandonaram as enfermarias dos hospitais. Como se vê, podemos definir o boato retrocitado como uma forma, até então embrionária, da atual fake news, neologismo alienígena, incorporado à nossa língua. Esse episódio histórico, foi objeto de estudos científicos, com destaque para a dissertação Os Boatos Alarmistas na Perspectiva da Ciência da Informação: o caso Tapacurá estourou, de autoria do Prof. Manuel Osvaldo Guimarães Júnior. Segundo o eminente pesquisador, há uma diferença entre boato e fake news. O primeiro é uma narrativa construída no interior de um contexto ­­social especifico, para explicar determinado acontecimento. Já as fake news, são notícias falsas divulgadas pelos meios de comunicação - redes sociais, jornais, revistas, etc. 

Como consequência desse fenômeno, o Poder Legislativo cuidou em editar o Projeto de Lei 2.630/2020 de 3/3/2020, de autoria do Senador Alessandro Viera, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, com o objetivo de promover a polêmica Regulamentação das Redes Sociais, em tramitação há cerca de quatro anos. O Projeto tem 31 artigos e representa, para uma parte dos políticos, juristas, sociólogos, advogados, ativistas digitais e outros atores do nosso teatro político, uma tentativa do Estado de implementar o controle velado, do funcionamento dessas empresas e a identificação dos usuários da Internet. Isto posto, através do conhecimento prévio, poderá exercer o poder de regulação das Redes Sociais. Ocorre que, na opinião de uma boa parte da comunidade jurídica e do próprio Parlamento, essa ação política materializa e significa submeter os meios de comunicação à malsinada censura. Aqueles que defendem a regulação, alegam que investigações recentes detectaram imagens de adolescentes chantageando adolescentes, estimulando a automutilação, e o que é pior: suicídios e até homicídios transmitidos ao vivo. Posto que não se possa deixar de reconhecer, que, na internet, há um submundo maligno funcionando livremente, operado por facínoras de toda espécie, organizações criminosas - as milícias digitais - que devem ser objeto de severa investigação cibernética, a fim de afasta-los definitivamente do mundo digital. Esses senhores do crime, atormentam milhares de adultos, crianças e adolescentes, invadindo sua intimidade, hackeando suas câmeras domésticas para extorqui-los, incluindo-se nesse contexto hediondo, os pedófilos, necrófilos, gerontófilos e toda espécie de criminosos sexuais que continuam agindo, apesar do efetivo combate a essas facções, implementado pelas polícias de todo o país e do exterior. 

Ao meu sentir, o Projeto de Lei 2.630/2020, aprovado em 2020 pelo Senado, e ainda em análise na Câmara - já se vão quatro anos - vem encontrando significativa resistência política, e não será surpresa, sua tramitação estender-se e levar anos para ser aprovada ou não. Há pouco tempo, o bilionário Elon Musk, empresário com patrimônio líquido de U$184,8 bilhões, além de dono do X (antigo Twitter), indagou, através da mídia: Para que tanta censura no Brasil? A fala de Musk vem logo após a revelação do Twitter Files (rede de comunicação interna do Twitter), pelo jornalista Michael Shellenberger. O Estado Brasileiro querendo dados de usuários, para saber quem divulga essa ou aquela hashtag, censura parlamentares, desmonetiza, apaga contas e assim por diante. Arremato, citando o jovem e brilhante jornalista Fernando Schüler: também nós temos uma teoria de nossa Constituição, filha dos anos 80 e de seu desejo de garantir a liberdade e limitar o poder. De consagrar uma sociedade aberta, não a democracia de tutela em que vamos nos convertendo. A estranha democracia feita de agentes de Estado bisbilhotando conversas no rádio, vídeos no Youtube, contas no Twitter e bate-papos no Whatsapp. Se esse será nosso destino ou se andamos apenas num desvio de curso e a pergunta a que devemos responder. Vida que segue. Seja o que Deus quiser. 
 

*Advogado

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