Otan molda cúpula e tenta alinhar plano de gastos militares no nível desejado pelos EUA
Cronograma da reunião que ocorre em Haia na semana que vem foi encurtado para evitar tensões com o presidente americano
Além de projetar força militar e prometer unidade, um tema mais urgente surgiu para a cúpula da Otan da próxima semana: manter o presidente americano, Donald Trump, feliz.
Enquanto os líderes se preparam para o fórum anual que começa na terça-feira, os aliados dos EUA reduziram seu apoio público à adesão da Ucrânia e redigiram um comunicado de política de apenas cinco parágrafos para manter o líder americano a bordo.
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A reunião em si, em Haia, começará e terminará em menos de dois dias — um cronograma projetado para mantê-la sem drama.
— Ninguém quer dizer não a Trump — disse Mujtaba Rahman, que analisa a Europa para o Eurasia Group.
Questionado na quarta-feira se a guerra Irã-Israel o levaria a não comparecer à reunião, Trump disse a repórteres que ainda planejava comparecer. De qualquer forma, sua influência certamente pairará sobre a reunião.
Isso já motivou o esforço do secretário-geral da Otan, Mark Rutte, para aumentar os gastos militares de cada um dos 32 membros da aliança, a fim de atingir o valor sugerido por Trump.
Ele exigiu que o valor fosse elevado para 5% do Produto Interno Bruto de cada país, em comparação com o nível atual de 2%. Rutte propôs ampliar a definição de gastos militares para ajudar a atingir esse objetivo.
O novo parâmetro incluiria 3,5% do PIB em gastos básicos com defesa — armas, capacidades, tropas — e o restante no que a Otan chama de "investimento relacionado à defesa e segurança, incluindo infraestrutura e resiliência".
Nas semanas desde que a ideia de Rutte ganhou força, seus detalhes e deficiências tornaram-se mais claros, segundo autoridades e especialistas. O cronograma para aumentar os gastos pode ser diferente para cada pessoa, e as autoridades estão confusas quanto aos requisitos. Mesmo que os países aloquem os recursos, as indústrias de defesa europeias e até americanas podem não conseguir absorver o dinheiro ou entregá-lo em tempo hábil.
E embora os países da Otan, em geral, concordem que já passou da hora de investir mais em segurança na Europa, onde autoridades acreditam que uma Rússia militarizada pode se sentir tentada a testar a aliança dentro de alguns anos, algumas nações já lutam para atingir a meta atual de gastos militares. É improvável que atendam à demanda de Trump em breve, ou nunca.
A discussão sobre a proposta de Rutte, disseram especialistas, se transformou em um debate sobre gastar bilhões de dólares para financiar uma gama cada vez maior de prioridades.
— É em grande parte um jogo de fachada — disse Jeremy Shapiro, ex-funcionário do Departamento de Estado e agora diretor de pesquisa do Conselho Europeu de Relações Exteriores. — Há alguma realidade nisso, porque os gastos com defesa estão aumentando em toda a Europa, mas mais por causa de Vladimir Putin do que de Donald Trump.
Um jogo de números
Trump exigiu pela primeira vez o valor de 5% duas semanas antes de sua posse, embora seu embaixador na Otan, Matthew Whitaker, tenha insistido recentemente que os Estados Unidos não estavam "conduzindo o cronograma" para que os aliados gastassem mais em defesa.
— As ameaças estão direcionando o cronograma — disse ele. — A Europa continua nos dizendo que a Rússia é a sua maior ameaça, e nós concordamos que, na região Euro-Atlântica, ela é. Portanto, precisamos garantir que todos estejam investindo.
Inicialmente, as ambições de Trump pareciam abstratas e implausíveis: apenas 23 membros da Otan estavam cumprindo suas metas de gastos até o final do ano passado. Mas a proposta de Rutte permite alguns gastos no que a Otan chama de projetos "militares adjacentes". Em termos práticos, isso poderia incluir investimentos em tecnologia avançada; reconstrução de estradas, pontes e outras infraestruturas; defesa civil; educação; melhoria dos serviços de saúde; e ajuda à Ucrânia.
Na verdade, o parâmetro de Trump "é real e não real", disse Nathalie Tocci, diretora do Instituto de Relações Internacionais da Itália.
— O real é 3,5%, o que não tem nada a ver com Trump e tudo a ver com a Otan conseguir o que julga precisar — disse ela. — A parte irreal é o 1,5%, a jogada de relações públicas para Trump. É claro que infraestrutura é importante, assim como diplomacia e educação, então, junte tudo isso para Trump. E se o número mágico de 5% garantir indiferença benigna em vez de hostilidade maligna, ótimo.
Contagem da ajuda à Ucrânia
A proposta pode ter ajudado Rutte a equilibrar os desejos do presidente com os dos líderes europeus, mas também criou complicações. Ministros da Defesa, reunidos na sede da Otan em Bruxelas este mês, pareceram confusos sobre como o dinheiro deveria ser gasto, em quanto tempo, e sobre se a ajuda à Ucrânia poderia ser contabilizada.
— Temos que encontrar um compromisso realista entre o que é necessário e o que é realmente possível gastar — disse o ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius.
A ministra da Defesa de Luxemburgo, Yuriko Backes, foi mais direta.
— Serão as capacidades que nos manterão seguros, não as porcentagens — disse ela. — É isso que deve impulsionar nossos investimentos, e não o contrário.
Luxemburgo atingirá o atual limite de gastos — que foi definido em 2014 para ser alcançado em uma década — somente neste ano.
E só recentemente ficou claro — mesmo entre alguns ministros da defesa da Otan — que os países poderiam incluir uma pequena fração de suas contribuições militares para a guerra na Ucrânia como parte de seus gastos com defesa.
Mas as regras para o que se qualifica são complexas e decididas na sede da Otan caso a caso, para garantir que os países não contem duas vezes o que dão à Ucrânia como parte do investimento militar doméstico.
— Apoiar a Ucrânia é realmente um investimento em nossa própria segurança — disse o ministro da defesa da Suécia, Pal Jonson.
Os aliados estão debatendo como contabilizar a ajuda à Ucrânia. O plano atual é considerá-la como gasto militar essencial. Mas alguns dos países mais próximos das fronteiras da Rússia não querem diluir sua defesa interna e querem que a ajuda à Ucrânia seja categorizada como "investimentos relacionados".
Uma questão de tempo
Também há incerteza sobre quando os aliados deverão atingir o limite de gastos mais alto.
Rutte propôs inicialmente 2032, mas os países do flanco oriental da Otan querem que isso aconteça antes. Informações da Otan sugerem que, sem uma dissuasão militar confiável, a Rússia poderia montar uma ofensiva eficaz contra a aliança cinco anos após o fim da guerra na Ucrânia.
— Não temos tempo nem para sete anos — disse recentemente o Ministro da Defesa da Estônia, Hanno Pevkur. — Temos que mostrar que temos tudo o que precisamos para defender nossos países.
O Reino Unido, por exemplo, comprometeu-se a gastar apenas 3% até 2034, muito depois da data prevista para a saída de Trump do cargo. Canadá, Itália, Luxemburgo e Espanha atingirão 2%, uma meta de uma década, somente neste ano.
E os próprios Estados Unidos gastam atualmente cerca de 3,4% do seu PIB em defesa, embora, em dólares, representem quase metade dos gastos da Otan. O valor que Washington gasta apenas com a Europa representa uma porcentagem muito menor do orçamento de US$ 997 bilhões do Pentágono.
Assim como Rutte, outros líderes mundiais buscaram maneiras de aproveitar ao máximo suas negociações com Trump e evitar problemas imprevisíveis. Na cúpula do G7 desta semana, o recém-eleito primeiro-ministro do Canadá e anfitrião do evento, Mark Carney, usou uma mistura de bajulação e disciplina.
Mesmo assim, o presidente interrompeu o encontro, saindo mais cedo para abordar a guerra Irã-Israel. Rutte espera evitar tal resultado.
— Trump está fazendo uma demanda falsa por mais gastos, e eles estão dando a ele uma resposta falsa — disse Shapiro.
Ele chamou o plano Rutte de "inteligente, porque permite que Trump consiga o que quer e ele pode se gabar disso".

