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Oriente Médio

Parte do urânio enriquecido do Irã sobreviveu a ataques, diz autoridade israelense

Avaliação foi feita enquanto especialistas tentam determinar quanto tempo o país levaria para reconstruir seu programa nuclear após os ataques dos EUA e de Israel

Instalações de Conversão de Urânio (UCF) de Isfahan, 420 km ao sul de Teerã Instalações de Conversão de Urânio (UCF) de Isfahan, 420 km ao sul de Teerã  - Foto: AFP

Israel concluiu que parte do estoque subterrâneo de urânio enriquecido próximo ao grau de armamento do Irã sobreviveu aos ataques americanos e israelenses no mês passado e pode estar acessível a engenheiros nucleares iranianos, segundo um alto funcionário israelense.

Esse alto funcionário também afirmou que Israel começou a se mover em direção a uma ação militar contra o Irã no final do ano passado, após identificar o que descreveu como uma corrida para construir uma bomba como parte de um projeto secreto iraniano. O funcionário falou sob condição de anonimato devido à sensibilidade das informações.

Segundo o funcionário, a inteligência israelense detectou a atividade relacionada a armas nucleares logo após a Força Aérea de Israel matar Hassan Nasrallah, o veterano líder do Hezbollah, milícia apoiada pelo Irã no Líbano. Essa constatação levou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, a se preparar para um ataque com ou sem a ajuda dos Estados Unidos.

Nos dias que cercaram o ataque israelense ao Irã em meados de junho — e a decisão subsequente do presidente Trump de aderir à ação — autoridades da inteligência dos EUA disseram não ter visto evidências de que o Irã estivesse tentando transformar seu estoque de urânio próximo ao grau de armamento em uma arma

Os Estados Unidos atacaram dois dos mais críticos locais de enriquecimento do Irã com bombas de 13.600 quilos (30 mil libras), capazes de perfurar bunkers, e lançaram uma série de mísseis Tomahawk a partir de submarinos contra um terceiro local, onde o combustível poderia ser convertido para uso em armamentos.

O funcionário israelense disse que as evidências reunidas sobre o programa secreto — que ele não descreveu em detalhes — foram totalmente compartilhadas com os Estados Unidos.

Mas, em entrevistas realizadas em janeiro, autoridades americanas disseram não acreditar que o Irã estivesse correndo para construir uma arma, embora tenham reconhecido um esforço inicial para explorar abordagens “mais rápidas e rudimentares” para desenvolver uma. E a diretora de inteligência nacional, Tulsi Gabbard, declarou ao Congresso em março que não via evidências de que os iranianos tivessem decidido fabricar uma arma, posição reiterada por autoridades de inteligência em junho.

Durante um briefing para jornalistas na noite de quarta-feira, o alto funcionário israelense não expressou preocupação com a avaliação de que parte do estoque de urânio enriquecido a 60%, armazenado em tambores, teria sobrevivido ao ataque. O funcionário, assim como outros israelenses com acesso às descobertas da inteligência do país, afirmou que qualquer tentativa do Irã de recuperar esse material quase certamente seria detectada — e haveria tempo para atacar as instalações novamente.

Autoridades da inteligência ocidental confirmaram a avaliação israelense, dizendo acreditar que grande parte do estoque está soterrada sob os escombros no laboratório nuclear do Irã em Isfahan e possivelmente em outros locais. Uma das autoridades concordou que os Estados Unidos ou Israel saberiam se os iranianos tentassem recuperar o urânio enriquecido. Tal movimento, segundo ela, certamente provocaria um novo ataque aéreo israelense.

Israel, os Estados Unidos e, agora, um número crescente de especialistas independentes concordam que todas as centrífugas operacionais do Irã em Natanz e Fordo — cerca de 18 mil máquinas, que giram em velocidades supersônicas — foram danificadas ou destruídas, provavelmente além de reparo. A questão que agora se examina é quanto tempo levaria para os iranianos reconstruírem parte ou toda essa capacidade, especialmente após os principais cientistas do programa nuclear iraniano terem sido mortos.

Trump tem mantido sua posição de que o programa iraniano foi “aniquilado” e que os líderes do Irã não têm mais interesse em armas nucleares após os ataques das forças aéreas americanas. O secretário de Defesa, Pete Hegseth, afirmou que o bombardeio deixou o combustível e os equipamentos da instalação mais protegida, Fordo, “enterrados sob uma montanha, devastados e obliterados”.

O governo americano manteve essa linha narrativa na quinta-feira. — Como o presidente Trump já disse várias vezes, a Operação Martelo da Meia-Noite obliterou totalmente as instalações nucleares do Irã — declarou Anna Kelly, porta-voz da Casa Branca. — O mundo inteiro está mais seguro graças à sua liderança decisiva.

Sobre um ponto — se o Irã transferiu grande parte de seu estoque de urânio enriquecido a 60% pouco antes do ataque americano na madrugada de 22 de junho em Teerã — a avaliação israelense diverge da conclusão de Rafael Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Grossi afirmou acreditar que boa parte do estoque armazenado em Isfahan foi transferida antes de os armamentos israelenses e americanos atingirem o local. O alto funcionário israelense alega que nada foi removido. Segundo ele, o local de armazenamento em Isfahan era profundo demais para que mesmo as armas americanas mais poderosas pudessem destruí-lo completamente.

Contudo, o ataque dos EUA a Isfahan bloqueou muitos acessos e parece ter eliminado laboratórios que convertiam urânio enriquecido em uma forma que poderia ser utilizada em armas, e depois moldado em metal para compor ogivas de mísseis.

Falando na cúpula da OTAN em Haia, duas semanas atrás, Trump disse que os ataques dos EUA “atrasaram a capacidade do Irã de desenvolver armas nucleares por muitos anos”, e sugeriu que estaria disposto a atacar novamente, se necessário. — Essa conquista pode perdurar indefinidamente se o Irã não tiver acesso a material nuclear, o que não terá — disse ele a repórteres.

Desde então, o Irã expulsou os inspetores da AIEA que estavam em Teerã durante os ataques de Israel e dos EUA, e desligou algumas das câmeras e dispositivos de monitoramento restantes da agência, interrompendo a principal janela de observação das atividades iranianas que o Ocidente possuía. O resultado é que a agência, um braço das Nações Unidas, ficou essencialmente às cegas.

— O país está mergulhando na escuridão — afirmou Ray Takeyh, especialista em Irã do Conselho de Relações Exteriores, que acompanha o programa nuclear iraniano há 25 anos. — Acho que o que nos espera agora é uma nova fase da proliferação iraniana, com a dispersão do esforço pelo país em vários pequenos ateliês. Os iranianos aprenderam que mesmo algo que você coloca dentro de uma montanha pode ser bombardeado.

Se Takeyh estiver certo — e sua previsão foi ecoada por vários agentes da inteligência americana, britânica e europeia nas últimas duas semanas — Israel e Estados Unidos podem estar entrando em uma nova era de jogo de esconde-esconde.

O Irã parece pouco propenso a tentar reconstruir suas instalações nucleares em Fordo ou Natanz. Mesmo Fordo, construída dentro de uma montanha, revelou-se muito mais vulnerável do que os engenheiros iranianos haviam previsto. (Uma vulnerabilidade-chave era a existência de dutos de ventilação que penetravam profundamente na planta; o ataque americano incluiu bombas de 13.600 quilos direcionadas a esses dutos, permitindo que penetrassem mais perto das salas de controle e de enriquecimento do que se tivessem que perfurar a rocha.)

Para os iranianos, ter acesso ao combustível já enriquecido a 60% de pureza — pouco abaixo dos 90% normalmente usados em armas nucleares — é fundamental. A maior parte do esforço para se chegar ao urânio altamente enriquecido ocorre nas etapas iniciais.

Mas qualquer tentativa de escavar o combustível sob os escombros de Isfahan pode ser difícil de esconder da vigilância por satélite. O funcionário israelense disse acreditar que ainda há estoques adicionais em Fordo e Natanz, os dois principais centros de enriquecimento onde o combustível é produzido. Ambos foram atingidos pelas bombas destruidoras de bunkers, e Israel avaliou que recuperar esses materiais seria demasiado difícil.

O que permanece desconhecido, segundo autoridades americanas e britânicas, é com que rapidez o Irã poderia reproduzir as instalações que perdeu — e se seria capaz de fazê-lo de forma encoberta, para evitar outro ataque.

Nos anos que antecederam os ataques, o Irã escavava duas instalações nucleares subterrâneas profundas — uma próxima aos laboratórios de Isfahan e outra em Natanz. Nenhuma foi alvo dos ataques de Israel e dos EUA. Mas transformá-las em substitutas para as duas instalações de enriquecimento bombardeadas seria uma tarefa imensa e exigiria a reposição de mais de 18 mil centrífugas que se acredita terem sido destruídas ou desativadas nos ataques.

Não está claro quantas novas centrífugas o Irã tinha em construção em oficinas espalhadas pelo país, nem quando elas estariam prontas para instalação.

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