Premiê da Dinamarca pede perdão às vítimas de contracepção forçada na Groenlândia
Do final da década de 1960 até 1992, as autoridades dinamarquesas inseriram um dispositivo intrauterino (DIU) sem o consentimento das pacientes em quase 4.500 mulheres inuítes
A primeira-ministra da Dinamarca, Mette Frederiksen, pediu desculpas à Groenlândia, nesta quarta-feira (24), em nome do Estado às vítimas de uma campanha de contracepção forçada no território autônomo dinamarquês que durou décadas.
"Hoje só há uma coisa a lhes dizer: desculpem pela injustiça que lhes foi infligida por serem groenlandeses. Desculpem pelo que lhes foi tirado e pela dor que isso lhes causou, em nome da Dinamarca. Desculpem", declarou Frederiksen em Nuuk, a capital da ilha ártica.
Do final da década de 1960 até 1992, as autoridades dinamarquesas inseriram dispositivos intrauterinos (DIUs) sem o consentimento das pacientes em quase 4.500 mulheres inuítes da Groenlândia, quase metade delas em idade fértil.
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O objetivo era reduzir a taxa de natalidade da população originária da Groenlândia.
Várias das vítimas, vestidas de preto, enxugaram as lágrimas durante a cerimônia realizada nesta quarta-feira na Casa da Cultura de Nuuk, enquanto ouviam em silêncio a chefe do governo dinamarquês.
Uma delas, Kirstine Berthelsen, declarou à AFP que esta cerimônia lhe permitiria "seguir em frente com [sua] vida sem que o ódio, a raiva e a negatividade [a] consumissem por dentro".
A mulher de 66 anos afirmou sem hesitar estar presente por "razões egoístas: ver e ouvir os pedidos de desculpas por duas gestações ectópicas, longas estadias no hospital, cirurgias e a remoção de uma trompa de Falópio", contou sem hesitar.
Muitas mulheres ficaram estéreis e quase todas sofreram problemas físicos ou psicológicos.
O escândalo é um dos casos sensíveis que prejudicam as relações da Dinamarca com a Groenlândia, que também incluem adoções forçadas e a retirada de crianças inuítes de suas famílias.
Antes de a primeira-ministra dinamarquesa falar, o primeiro-ministro da Groenlândia se distanciou das palavras de Frederiksen.
"Esses pedidos de desculpas não significam que aceitamos o que aconteceu. Estamos aqui hoje porque não aceitamos o que aconteceu", declarou Jens Frederik Nielsen.
No final de agosto, a premiê apresentou um pedido de desculpas amplamente aguardado às vítimas da campanha de contracepção forçada, em um comunicado.
Frederiksen anunciou, na segunda-feira, a criação de um "fundo de reconciliação" para indenizar as vítimas, assim como outros groenlandeses que sofreram discriminação por sua origem inuíte.
O advogado Mads Pramming, que representa quase 150 vítimas que processaram o Estado dinamarquês por violação de seus direitos e pedem uma compensação financeira, classificou a medida como algo positivo.
"É uma notícia muito boa porque meus clientes não estão satisfeitos apenas com um pedido de desculpas", destacou.
"Pressão externa"
No decorrer do último ano, a Dinamarca tentou suavizar as tensões com este território do Ártico, que tem uma localização estratégica e é rico em recursos, em um momento em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou repetidamente que deseja tomar o controle da ilha gigantesca.
A deputada Aaja Chemnitz, que representa a Groenlândia no Parlamento dinamarquês, afirmou que o pedido de desculpas foi um resultado direto das declarações firmes de Trump.
"É a pressão externa, em particular dos Estados Unidos, que está obrigando a Dinamarca a redobrar seus esforços", disse. "Sou deputada há 10 anos e nunca havia visto tantos esforços", acrescentou.
Frederiksen rompeu com a tradição de seus antecessores, que insistiam em que a Dinamarca não tinha motivos para pedir desculpas.
"No passado, os primeiros-ministros dinamarqueses sempre se mostraram extremamente relutantes em reconhecer as injustiças cometidas na Groenlândia. Argumentavam que não havia nada pelo que pedir desculpas", explica a historiadora Astrid Andersen, pesquisadora do Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais.
O escândalo veio à tona quando uma das vítimas falou à imprensa, há vários anos, sobre o trauma que havia sofrido.
Em 2022, uma série em podcast revelou o alcance total da campanha de contracepção forçada.
Os governos da Dinamarca e da Groenlândia concordaram em iniciar uma investigação independente.
"Neste momento, é importante para muitos groenlandeses viver o luto em comunidade e receber um reconhecimento pleno desta horrível situação", afirmou Andersen.
Uma investigação em separado sobre as implicações legais da campanha de contracepção forçada ainda não foi concluída.
Esta apuração, que busca determinar se a campanha dinamarquesa constituiu um "genocídio", será publicada no início de 2026.

