Dom, 07 de Dezembro

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Relatora especial da ONU para Gaza diz que sanções impostas pelos EUA contra ela são sinal de culpa

Albanese é acusada pelo Departamento de Estado por seus "esforços para levar" o Tribunal Penal Internacional a investigar empresas americanas e autoridades israelenses

Francesca Albanese, relatora especial da ONU para territórios palestinos Francesca Albanese, relatora especial da ONU para territórios palestinos  - Foto: Jure Makovec / AFP

"Os poderosos punindo aqueles que falam pelos impotentes não é um sinal de força, mas de culpa." Foi com essas palavras que a relatora especial da ONU Francesa Albanese respondeu à notícia de que será sancionada pelos Estados Unidos.

Na quarta-feira, como parte de seus esforços para punir os críticos da guerra de Israel em Gaza, o Departamento de Estado aplicou sanções contra a advogada, que não é funcionária das Nações Unidas, mas foi nomeada especialista independente não remunerada para monitorar violações dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados.

"Vamos nos manter firmes, juntos", escreveu Albanese na rede social X, na quinta-feira, exortando observadores internacionais a se concentrarem na crise em curso na Faixa de Gaza. "Todos os olhos devem permanecer em Gaza, onde crianças estão morrendo de fome nos braços de suas mães, enquanto seus pais e irmãos são bombardeados e mortos enquanto procuram comida."

Albanese acredita ter tocado "em um ponto sensível" ao pedir abertamente o fim do que ela descreve como um “genocídio” cometido pelo governo israelense contra os palestinos em Gaza. Israel e os EUA, que fornecem apoio militar, negam veementemente essa acusação.

— Minha preocupação é que há pessoas morrendo em Gaza enquanto você e eu conversamos, e as Nações Unidas são totalmente incapazes de intervir — disse Albanese a um programa ao vivo do Middle East Eye, um importante veículo especializado em Oriente Médio, com base no Reino Unido.

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O secretário de Estado Marco Rubio disse na quarta-feira que os Estados Unidos iriam impor sanções a Francesca Albanese por “esforços para levar” o Tribunal Penal Internacional (TPI) a investigar empresas americanas e autoridades israelenses. A decisão de impor sanções a uma advogada afiliada à ONU foi altamente incomum.

Rubio relacionou a decisão de sanções a um esforço mais amplo dos EUA para retaliar o Tribunal Penal Internacional, que emitiu mandados de prisão contra Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense, e Yoav Gallant, ex-ministro da Defesa, no ano passado, acusando-os de crimes de guerra e crimes contra a Humanidade na Faixa de Gaza.

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Ao mesmo tempo, o tribunal emitiu um mandado de prisão contra o chefe militar do Hamas, Muhammad Deif, acusando-o de crimes contra a Humanidade, incluindo assassinato, sequestro e violência sexual. Israel afirma que o matou em um ataque aéreo, e o Hamas confirmou sua morte.

Albanese não trabalha para o Tribunal Penal Internacional, mas incentivou a corte a processar líderes israelenses e empresas internacionais pela guerra contra o Hamas em Gaza. Suas postagens frequentemente inflamadas nas redes sociais atraíram críticas de Israel e seus aliados, que a acusaram de antissemitismo.

— Não toleraremos essas campanhas de guerra política e econômica, que ameaçam nossos interesses nacionais e nossa soberania — disse Rubio.

Em entrevista por telefone ao The New York Times, na quinta-feira, Albanese disse que ela e seus apoiadores estavam “cansados dessas técnicas mafiosas de intimidação” dos Estados Unidos.

— Vou lidar com as consequências, não importa — declarou, descrevendo-se como alguém que defende “a justiça”. Ela rejeitou as acusações de antissemitismo como uma tentativa de desviar a atenção das atrocidades cometidas em Gaza e na Cisjordânia.

O chefe de direitos humanos da ONU, Volker Türk, pediu uma rápida reversão da decisão de sanções.

"Mesmo diante de um desacordo acirrado, os Estados membros da ONU devem se envolver de forma substantiva e construtiva, em vez de recorrer a medidas punitivas", afirmou também na quinta-feira, pedindo que os "ataques e ameaças" cessem.

O Hamas também criticou a decisão dos EUA de impor sanções a Albanese, descrevendo a medida como uma "expressão flagrante do viés evidente do governo americano em relação aos crimes de guerra sionistas", e pediu que o governo do país revertesse suas ações, segundo a al Jazeera.

"As medidas punitivas tomadas pelos Estados Unidos contra instituições e indivíduos que desempenham seu papel profissional e moral na guerra de extermínio na Faixa de Gaza, mais recentemente Albanese, minam os fundamentos do direito internacional e humanitário e encorajam os líderes criminosos de guerra da ocupação a continuar seus crimes brutais", declarou o Hamas, citado pela al Jazeera.

A União Europeia, por sua vez, disse nesta sexta-feira que "apoia fortemente o sistema de direitos humanos das Nações Unidas" e lamenta "profundamente a decisão de impor sanções a Francesca Albanese", informou a AFP.

Os palestinos e seus aliados costumam ver Albanese como uma defensora incondicional dos direitos palestinos em um dos momentos mais sombrios de sua História. A guerra em Gaza já matou mais de 57 mil pessoas, incluindo milhares de crianças, de acordo com autoridades de saúde locais, que não fazem distinção entre civis e combatentes.

Israel e grupos judeus americanos denunciaram Albanese por acusar Israel de cometer genocídio, uma acusação que eles rejeitam veementemente. Eles argumentam que ela raramente condena a violência contra civis israelenses ou critica grupos armados palestinos como o Hamas, cujos ataques de 7 de outubro de 2023 mataram cerca de 1.200 pessoas em Israel e desencadearam a guerra que já dura quase dois anos.

Na época do ataque, Albanese disse que condenava inequivocamente os ataques a civis, mas que a violência tinha de ser considerada no contexto de “seis décadas de regime militar hostil”.

Em entrevista ao Globo, em dezembro de 2023, Albanese, a primeira mulher a ocupar a relatoria especial das Nações Unidas desde que ela foi criada, em 1993, destacou, os “absurdos” cometidos por Israel, mas também classificou de “violento e terrível” o ataque surpresa do Hamas em 7 de outubro. Advogada especialista em direito internacional, ela não se furtou de criticar nem mesmo o papel da ONU na resolução do conflito, que classificou como um “fracasso épico”.

Os Estados Unidos reprimiram o ativismo pró-palestino desde que o presidente Donald Trump voltou ao cargo em janeiro, mas a defesa de Albanese também atraiu críticas do governo Biden.

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