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RIO DE JANEIRO

Rodrigo Bacellar: quem é o deputado investigado por esquema de vazamento de informações

Magistrado Macário Júdice Neto relata caso de TH Jóias e foi preso pela Polícia Federal; semanas antes, Rodrigo Bacellar foi detido por envolvimento no mesmo esquema

O presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Rodrigo BacellarO presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Rodrigo Bacellar - Foto: Thiago Lontra/Alerj

Duas semanas após a prisão do deputado Rodrigo Bacellar (União), presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), a Polícia Federal mirou, nesta terça-feira, o desembargador Macário Júdice Neto, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). A ação é um desdobramento da Operação Unha e Carne 2, que investiga o vazamento de informações sigilosas de operações e investigações a criminosos.

Macário é o relator do processo que envolve o ex-deputado estadual Thiego Raimundo dos Santos, conhecido como TH Joias, preso por ligação direta com o Comando Vermelho. Segundo as investigações, o magistrado teria atuado para favorecer o grupo criminoso. Já Bacellar é suspeito de vazar informações da Operação Zargun, deflagrada em setembro, quando TH Joias foi preso.

Quem é Rodrigo Bacellar?
O deputado estadual Rodrigo Bacellar cumula um histórico de poder e influência política. Preso no início de dezembro, ele havia sido reeleito presidente da Alerj em fevereiro, por unanimidade, fato inédito na Casa.

A vitória aconteceu dois anos após ele vencer a disputa pela presidência com 56 dos 70 votos possíveis. O crescimento entre um pleito e outro consolidou o poder de Bacellar no governo fluminense, inclusive, para a corrida eleitoral como candidato da direita ao governo do Rio.

 

Rodrigo Bacellar foi secretário de Estado do governo do Rio de Janeiro, disputou sua primeira eleição em 2018, quando se elegeu deputado estadual pelo Solidariedade com 26.135 votos, e reeleito em 2022 pelo PL, com 97. 822 votos. De lá para cá, protagonizou uma ascensão meteórica até a presidência da Alerj, com destaque, no caminho, para a relatoria do processo de impeachment do governador Wilson Witzel, que levou o aliado Cláudio Castro (PL) ao posto mais alto do Palácio Guanabara.

Ele é o segundo presidente da Alerj preso no exercício do cargo. Antes dele, Jorge Picciani foi preso, em 2017, na operação Cadeia Velha, após se entregar à Polícia Federal.

Mudança de partido
Bacellar se filiou ao União Brasil em março de 2024. Antes, era filiado ao Partido Liberal. Em 2023, o PL se dividiu. Rodrigo Bacellar estava no partido e era o candidato apoiado pelo governador Cláudio Castro, mas uma ala dissidente no PL tentou viabilizar Jair Bittencourt como cabeça de chapa, sob as bençãos do presidente do partido Altinêu Cortes. Como consequência da briga, houve mexidas no primeiro escalão do governo fluminense, como a troca do secretário de Educação, antes indicado pelo PL e que passou a ser delineado por Bacellar.

Com o passar dos meses, os dois se reaproximaram. Para montar a nova chapa, Bacellar e Altinêu chegaram a um consenso: a 1ª vice-presidência deixaria de ser ocupada pelo União para ter um deputado do PL. Outra mudança partidária é o comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Alerj, que também deve ser comandada por um parlamentar do PL.

Com isso, Bacellar garantiu o apoio integral do Partido Liberal. O presidente reeleito também buscou partidos de centro e esquerda para construir uma candidatura única. A deputada Zeidan (PT), por exemplo, permanece na Mesa Diretora. Parlamentares do PSOL, PDT e PSD também apoiaram a candidatura de Bacellar, apesar de serem oposição ao governo Cláudio Castro.

Alvo de investigações
Em agosto deste ano, a partir de uma decisão do Conselho Superior do Ministério Público do Rio, foi aberta uma investigação para apurar “possíveis atos de improbidade administrativa” do deputado estadual “relacionados, em tese, a indícios de evolução patrimonial incompatível com a sua remuneração”. Entre os alvos está um frigorífico em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, seu reduto eleitoral. O parlamentar é suspeito de ser sócio oculto do empreendimento que recebeu financiamento de agência do governo, o que ele negou.

Em 2010, ele foi citado como peça central de outra investigação do Ministério Público do Rio (MP-RJ) sobre um esquema de “aluguel” da prefeitura de Cambuci, município de 14,6 mil pessoas na região Noroeste Fluminense.

Três depoimentos de políticos locais a que O Globo teve acesso em um processo de mais de mil páginas apontam que o hoje deputado estadual e seu pai, o ex-vereador Marcos Bacellar, teriam combinado de pagar R$ 160 mil por mês ao prefeito Oswaldo Botelho, mais conhecido como Vavado, a fim de dar as cartas na cidade, onde brotavam denúncias de fraudes licitatórias. Os Bacellar são de Campos dos Goytacazes, no Norte do estado, a cerca de 80 quilômetros de Cambuci.

A origem da trama está em uma investigação de 2010 contra Oswaldo Abido Botelho, o Oswaldinho, filho de Vavado que comandava a secretaria municipal de Trabalho e Renda. Segundo o MP, Vavado, de 75 anos, havia deixado de atuar no dia a dia da prefeitura e delegado informalmente a Oswaldinho a tarefa de administrar o município. Em agosto daquele ano, no entanto, o filho de Vavado e mais sete pessoas foram presas acusadas de promover fraudes em licitações da prefeitura.

Com o desbaratamento do grupo, o comando da cidade foi entregue à família Bacellar, segundo depoimento conjunto dos vereadores David Ney e Leila Velasco e do secretário de Agricultura, Carlos Vitorino da Fonseca. Eles contaram aos promotores que participaram de uma reunião, no dia 25 de outubro de 2010, em que o prefeito apresentou aos servidores de Cambuci o até então desconhecido Rodrigo Bacellar, que se comportou como se fosse o principal responsável pela cidade. Oficialmente, ele presidia naquela época a extinta Fundação Estadual Norte Fluminense (Fenorte).

“Rodrigo se mostrou como prefeito, conduzindo a reunião. (...) Nem foi nomeado e já está mandando na cidade”, disse o trio no depoimento conjunto, prestado dois dias depois do encontro com servidores.

Os três ainda relataram ao MP que Bacellar ironizou o grupo de Oswaldinho, preso dois meses antes: “São amadores que não sabem fazer o negócio direito, deixam rastros”, alegou o hoje presidente da Alerj na reunião, segundo os depoimentos de David Ney, Leila Velasco e Carlos Vitorino.

Naquele mês, Bacellar emplacou pessoas indicadas por ele na prefeitura de Cambuci que até hoje atuam como seus homens fortes na política. Rui Bulhões, atual chefe de gabinete do presidente da Alerj, tornou-se secretário de Obras; Márcio Bruno Carvalho de Oliveira, que também exerceu a função de chefe de gabinete de Bacellar, foi nomeado na pasta de Trabalho e Renda; e Leandro Marroso Siqueira ficou à frente da Secretaria de Licitações — que era, segundo os depoimentos, a pasta em que todos eles operavam de fato.

“Foi feito um acordo (...) onde o prefeito entregaria a administração de Cambuci e alugaria a prefeitura e, em troca, receberia R$ 160 mil por mês de Marco Bacellar (pai de Rodrigo Bacellar)”, afirmaram à promotoria os dois vereadores e o secretário municipal.

Intimidação
Um mês depois dos relatos, o depoimento de outro político local expôs a intimidação enfrentada por aqueles que denunciaram a família Bacellar e Vavado. Em 15 de novembro de 2010, Marco Antonio da Silva Paes, o presidente da Câmara de Cambuci, contou ao MP que houve uma reunião convocada pelo prefeito Vavado “em um posto de gasolina na estrada”. Outros três vereadores da cidade confirmaram o enredo para o MP.

Naquela reunião, segundo o presidente da Câmara, o secretário Carlos Vitorino foi pressionado por Vavado a mudar o depoimento que havia dado em outubro, no qual relatou a mesada de R$ 160 mil que estaria sendo paga pelo grupo de Bacellar para comandar a prefeitura de Cambuci e tocar toda a área de licitações.

O recuo do secretário realmente acabou acontecendo. Ele voltou à promotoria e refez o relato, alegando que não tinha lido o texto final da declaração dada ao MP ao lado dos dois vereadores. Além de manter a versão da mesada, os parlamentares contestaram a nova versão do secretário. Afirmaram que a promotora do caso leu em voz alta e na íntegra, diante deles, o depoimento que haviam dado.

Não era a primeira vez que um relato de intimidação aos denunciantes em Cambuci chegava ao MP. O vereador David Ney, que sempre procurou as autoridades para falar das fraudes na cidade, teve a casa alvejada por tiros em 2010, antes da conquista de influência pela família Bacellar na cidade.

Em abril de 2011, já depois das acusações contra o atual presidente da Alerj, relatos anônimos feitos por cidadãos ao MP apontaram que quatro homens armados foram vistos parados um dia na frente da casa do vereador David Ney.

Rodrigo Bacellar não foi denunciado e sequer ouvido pelo Ministério Público no processo. Procurado pela reportagem via assessoria para se pronunciar, ele negou o envolvimento no caso, mas não se posicionou de forma oficial.

Embora em determinado trecho do processo os nomeados de Bacellar na prefeitura de Cambuci sejam descritos como “mais perigosos que a quadrilha que está presa”, foi feito apenas o pedido de afastamento do prefeito Vavado. Entre idas e vindas de decisões judiciais que o removeram e o levaram de volta ao cargo, o político de Cambuci só foi deixar de vez o comando da cidade em meados de 2012.

No processo, a despeito de não ter mirado nos Bacellar como alvos decisivos, o MP elenca outras histórias da família em Campos. Uma delas envolvia a suposta utilização, de forma ilegal, de funcionários terceirizados da prefeitura campista no gabinete de Marcos Bacellar na Câmara. Em outra, que rendeu até o afastamento do pai do hoje candidato da direita ao governo do Rio, o MP eleitoral apontou desvios na empresa Campos Luz em prol dele e do partido no qual estava na época, o extinto PT do B.

A lista de problemas do passado listados pelo Ministério Público também sobrou para Bacellar, o filho. Na Fenorte, ele teria nomeado advogados particulares do pai em processos judiciais, além de doadores de campanha de Marcos, que chegou a presidir a Câmara de Campos.

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