Um processo "complexo, caro e vulnerável": vazamento de questões alerta sobre pré-testes do Enem
Jovem que divulgou questões similares as do último exame dias antes da prova havia participado de avaliação do Inep usada para formular perguntas
O estudante universitário Edcley Teixeira expôs fragilidades do processo de testagem das questões do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) ao apresentar em uma aula on-line cinco dias antes da prova perguntas quase idênticas às que foram cobradas no último domingo.
Na avaliação de ex-presidentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Ministério da Educação (MEC) deveria extinguir esse processo.
O pré-teste é a forma com que o Inep avalia o comportamento de uma questão sobre diversos aspectos. Com ele, é possível calibrar o nível de dificuldade de cada pergunta e, assim, montar uma prova com questões fáceis, médias e difíceis. Ele precisa ser feito junto a um público parecido com o que vai fazer a prova do Enem.
Em um texto publicado no LinkedIn, o ex-presidente do Inep Francisco Soares afirmou que essa operação é “extremamente arriscada”, pois a aplicação prévia aumenta a probabilidade de circulação indevida do material e que exames internacionais importantes com perfil parecido ao do Enem — como o Gaokao, da China — não utilizam esse processo.
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“Para tentar mitigar o problema, o Inep opera com uma estrutura logística complexa, cara e, ainda assim, vulnerável”, diz Soares, que é um dos principais especialistas em avaliação educacional do país. Por isso, ele defende que esse processo seja encerrado.
“A correção continuaria a utilizar a TRI (Teoria de Resposta ao Item, método que se propõe a avaliar o conhecimento real do estudante e reduzir a influência de chutes), com os mesmos cuidados metodológicos de hoje. O edital deveria prever explicitamente que itens com comportamento estatístico anômalo, identificado nas análises pós-aplicação, seriam excluídos”, sugeriu.
Também ex-presidente do Inep, Maria Helena Guimarães afirma que o MEC precisa de um plano de médio a longo prazo para encontrar alternativas ao modelo atual. De acordo com ela, o Banco Nacional de Itens, o repositório de perguntas produzidas para o Enem, está vazio.
— Atualmente, o Inep não tem 250 itens para fazer o Enem — diz Guimarães.
Em um vídeo em seu canal de YouTube, Edcley afirmou que um Banco Nacional de Itens vazio faz com que o Inep teste questões no mesmo ano em que elas serão utilizadas na prova. Com isso, ele se inscrevia na prova Prêmio Talentos Capes Universitário, momento em que parte dessas questões eram avaliadas para o Enem, e memorizava os enunciados para depois reproduzir as perguntas em um pré-vestibular que oferece de forma on-line.
Na terça-feira, o MEC decidiu anular três questões do Enem 2025 que foram reproduzidas de forma quase idêntica por Edcley em uma aula na semana da prova. Além disso, a pasta acionou a Polícia Federal para investigar o caso.
Opção por entrevistas
Na avaliação de Guimarães, uma solução para o futuro é utilizar sistemas de inteligência artificial para substituir esse processo de testagem. Ela também defende que o sistema de seleção do ensino superior do país diminua a centralidade do Enem, transformando a nota da prova em apenas uma etapa do processo de admissão das universidades.
— Essa nota poderia ser a primeira fase, e depois um processo de entrevistas, por exemplo — opina.
Procurados, o Inep e o MEC não responderam se estudam mudanças nos pré-testes.

