Anielle tenta se equilibrar entre pressão interna e críticas de movimentos
Ministra da Igualdade Racial enfrenta cobrança de mais ações da pasta após episódio de assédio que derrubou Sílvio Almeida
Três meses após as denúncias de assédio sexual que derrubaram o ex-ministro de Direitos Humanos Silvio Almeida, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, uma das vítimas, tenta se equilibrar entre pressões internas pela exposição do caso e críticas de setores da comunidade negra, que apontam descaso com políticas públicas voltadas para o segmento.
A estratégia da ministra tem sido intensificar anúncios da pasta e se aproximar do núcleo duro do governo.
O episódio envolvendo os dois ministros de Lula abriu uma crise na gestão petista. Antes de as denúncias serem reveladas, os relatos sobre a conduta de Almeida já circulavam no Planalto há pelo menos um ano, o que gerou especulações sobre suposta tentativa de abafar o caso.
Após a demissão, contudo, Anielle agiu para blindar o presidente e colegas de Esplanada. Em entrevista ao Globo, em outubro, afirmou que nunca havia conversado com ninguém do governo sobre o assunto e que Lula só soube quando a imprensa noticiou.
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O entorno da ministra considera que sua missão no governo ficou ainda mais desafiadora após a revelação do caso. Anielle tem se mobilizado para superar o episódio e dar visibilidade aos temas do ministério. Até mesmo com pessoas próximas, a ministra afirma não querer tratar do que aconteceu para focar em assuntos da pasta. Procurada pela reportagem, ela não quis comentar. Almeida também não quis falar.
Além de sua relação de amizade com a primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, Anielle tem sido prestigiada por Lula em eventos públicos, em demonstrações de apoio.
O último deles ocorreu há dez dias, quando ela esteve ao lado do presidente, no Palácio do Planalto, para a assinatura da titulação de 15 territórios quilombolas.
Irmã da ex-vereadora Marielle Franco, brutalmente assassinada em 2018, Anielle também é vista no entorno do presidente como uma das apostas petistas para 2026. Filiada ao PT do Rio, ela chegou a ser cotada para assumir o posto de vice do prefeito Eduardo Paes (PSD) na disputa municipal, mas não houve acordo. Agora, a ministra deve buscar uma vaga no Congresso na próxima eleição.
Desde a saída de Almeida do governo, porém, seu trabalho à frente da pasta da Igualdade racial tem sido colocado em xeque. Pelo menos três cartas abertas de movimentos negros tradicionais foram levadas a Lula com críticas à conduta da ministra.
Em outubro, terreiros e entidades de matriz africana assinaram um documento dirigida ao presidente em que acusam Anielle de “descaso total” em relação a políticas públicas para o segmento. O documento abordava possibilidade de “retrocessos” em medidas iniciadas em outras gestões petistas.
Já a Rede Amazônia Negra apontou “descaso e abandono” do ministério com a Amazônia e a região Norte do Brasil, enquanto a Convergência Negra citou “apagamento da participação social” nos debates do ministério.
Ação ‘orquestrada’
A divulgação das cartas coincidiu com a demissão do ativista do movimento negro Yuri Silva do ministério. Nos bastidores, integrantes da pasta apontam que a ligação dele com Almeida pesou para sua saída. Ele chefiava a Secretaria do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
Em meio a divisões no movimento negro causado pela disputa entre os grupos, aliados da ministra veem ação "orquestrada" para desgastá-la no cargo.
— O trabalho da Anielle não pode ser medido só pelas entregas do ministério, que tem um menor orçamento, mas por todo governo, pela transversalidade da influência da pasta e pelo trabalho de convencimento para que outras áreas também entreguem políticas de igualdade racial — afirma o fundador da UneAfro Brasil, Douglas Belchior.