Seg, 15 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
Diplomacia

Lula e Trump reabrem diálogo e negociam suspensão do tarifaço sobre exportações brasileiras

Expectativa é de que diplomacias avancem em acordo técnico nos próximos dias; especialistas veem sinal de reaproximação e pragmatismo entre os dois países

Presidentes americano e brasileiro se encontraram na Malásia Presidentes americano e brasileiro se encontraram na Malásia  - Foto: Ricardo Stuckert/PR

O encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Donald Trump, neste domingo (26), em Kuala Lumpur, na Malásia, durante a 47ª Cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), marcou a retomada das negociações entre Brasil e Estados Unidos após meses de tensão comercial. O principal ponto tratado foi a possível suspensão do tarifaço de 50% imposto por Washington sobre as exportações brasileiras desde julho.

A reunião, que durou cerca de 50 minutos, foi descrita por ambas as partes como “franca e construtiva”. Segundo o Itamaraty, Trump autorizou sua equipe a iniciar ainda neste domingo as tratativas com o governo brasileiro para revisão das tarifas e sanções impostas a autoridades. Lula, por sua vez, afirmou nas redes sociais ter tido uma “ótima reunião” com o presidente americano e destacou o desejo de ambos de avançar em soluções para as medidas restritivas.

Pragmatismo
Para o colunista da Folha de Pernambuco, o professor e ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Luiz Otávio Cavalcanti, o encontro sinaliza uma inflexão pragmática na relação entre os dois países. “Trump é um profissional. Há 20 dias, ele escreveu uma carta a Lula fazendo quase uma defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro. Nesse intervalo, o volume de exportações do Brasil para os EUA caiu mais de 20%, enquanto as vendas para China e México aumentaram mais de 30%. Foi um aviso: se os EUA se alinharem demais a Bolsonaro, perdem negócios importantes com o Brasil”, afirmou.

Segundo o professor, o encontro buscou “restabelecer a normalidade dos negócios”. Para ele, a decisão de Trump é motivada menos por afinidades pessoais e mais por cálculo econômico. “O que determinou a mudança não foi simpatia. Trump é hábil nos interesses políticos e pessoais. Não havia necessidade de perder negócios com o Brasil”, disse.

Cavalcanti também minimiza a leitura de que a aproximação envolveria temas sensíveis como a Venezuela. “Não há problema sério entre Brasil e EUA relacionado à Venezuela. A presença do porta-aviões no Caribe é um sinal para China e Rússia, não para o Brasil. É uma mensagem sobre área de influência”, explicou.

Reposicionamento
Na avaliação do cientista político Elton Gomes, o encontro teve caráter preparatório, mas reabre o diálogo em torno de três eixos principais: geopolítica, tecnologia e estabilidade institucional. “Seguiu o protocolo diplomático convencional, mas com elementos importantes. Marca uma nova fase das negociações em meio às tensões do tarifaço”, afirmou.

Gomes destacou que Washington busca reduzir a influência chinesa sobre setores estratégicos do Brasil, como minerais e infraestrutura, ao mesmo tempo em que acompanha com atenção as decisões judiciais brasileiras que afetam as grandes plataformas digitais. “Se o Brasil quiser aliviar tarifas, evitar novas sanções e garantir acesso a investimentos e tecnologia de ponta, vai precisar de um reposicionamento diplomático e de segurança institucional para investidores estrangeiros”, avaliou.

Mercado
A repercussão do encontro foi imediata no setor financeiro. Para Ricardo Trevisan Gallo, CEO da Gravus Capital, a suspensão das tarifas pode abrir uma “janela de oportunidades”. “Se houver acordo com suspensão temporária de tarifas e caminho claro para retirada gradual, veremos redução do prêmio de risco e janelas de compra atrativas”, afirmou.

Gallo destacou ainda que, caso o entendimento fique apenas no campo simbólico, a incerteza seguirá pressionando os ativos e os investimentos. “Um acordo técnico tende a aliviar prêmios de risco, fortalecer o real e beneficiar exportadores e empresas industriais”, avaliou.

Expectativa
Embora nenhum resultado concreto tenha sido anunciado, diplomatas dos dois países avaliam que a retomada das conversas já representa avanço significativo. O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, confirmou que Trump determinou o início imediato das negociações bilaterais.

Nas próximas semanas, a expectativa é de que o diálogo se concentre na revisão gradual das tarifas, na recomposição de fluxos comerciais e na definição de uma agenda conjunta para temas de inovação, energia e segurança.

A diplomacia brasileira vê no gesto de Trump um movimento pragmático de reposicionamento. “O mundo foi salvo, em 1945, pela estatura de estadistas que sabiam conciliar interesses. A diplomacia tem uma lógica: a lógica dos fatos”, resumiu Luiz Otávio Cavalcanti.

Com a reabertura de canais de diálogo, o Brasil tenta agora transformar a boa disposição do encontro em resultados concretos, além de afastar o risco de novos impasses que afetem a balança comercial entre os dois países.

Veja também

Newsletter