Dom, 07 de Dezembro

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LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Marina diz que veto ao licenciamento ambiental é uma "questão posta" e governo analisa alternativas

Segundo a Ministra do Meio Ambiente, há compromisso em não sancionar medidas que 'desmontam o licenciamento'

Ministra Marina SilvaMinistra Marina Silva - Foto: Rogério Cassimiro/MMA

Horas após a aprovação do projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental pela Câmara dos Deputados, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, afirmou que " a questão do veto está posta" e que o governo vai trabalhar alternativas para reparar o texto que, segundo ela, vai prejudicar a agricultura, a indústria, as exportações, gerar judicialização generalizada e impedir acordos internacionais.

A ministra destacou que o governo já havia sinalizado não se comprometer com medidas que "desmontam o licenciamento", e que questionar a constitucionalidade da lei ou apresentar Medida Provisória são opções.

Marina Silva explicou que, agora, análises técnicas e jurídicas ainda serão entregues ao presidente Lula para que uma decisão seja tomada. Mas ela frisou que o presidente "sempre tem buscado fazer com que os compromissos que nós assumimos sejam honrados", como as metas de redução de gases de efeito estufa, o fim do desmatamento até 2030.

"Nós estávamos o tempo todo em diálogo, o Ministério do Meio Ambiente, a Casa Civil, o Ministério de Relações Institucionais, e já havia sido sinalizado por nós três que, não sendo reparadas as medidas que desmontam o licenciamento com a radicalidade com que foi aprovado ontem à noite no Congresso, que o governo não tinha compromisso com sanção de nenhuma dessas medidas", explicou a ministra.

Após a gravação do videocast Conversa Vai Conversa Vem, com Maria Fortuna, que vai ao ar na terça-feira (22), Marina Silva falou com exclusividade ao GLOBO pela primeira vez após a aprovação da lei do novo licenciamento na Câmara dos Deputados.

A ministra evitou anunciar que há garantia de veto presidencial, mas disse que esse é sim uma das possibilidades.

"Essa questão de veto está posta sim. E desde o início foi colocado com muita clareza que o governo vai trabalhar para que o licenciamento ambiental seja preservado. Desde sempre já foi sinalizado que o governo vai trabalhar vetos e alternativas para fazer essa reparação", explicou Marina, que se referiu ao dia de hoje como um "dia de luto".

Aprovação do Licenciamento Ambiental
projeto foi aprovado por 267 a 116 votos, na madrugada desta quinta-feira (17). O texto, que segue para sanção presidencial, cria pelo menos sete tipos de licenciamentos que poderão ser obtidos de forma facilitada, um deles poderá ser obtido por meio de uma termo de compromisso, assinado pelo empreendedor. Na prática, funcionará como uma autodeclaração. As entidades cobram que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vete o texto na íntegra.

Coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo afirma que o texto aprovado é um "crime histórico" contra a natureza e "uma vergonha para o Brasil, que intenta se colocar como um líder climático".

"O Congresso Nacional, refletindo uma visão negacionista da relevância da política ambiental, acaba de jogar pelo ralo dois de seus principais instrumentos: o licenciamento ambiental e a avaliação de impactos ambientais. Caminhamos para uma era de intenso descontrole ambiental e de desrespeito a direitos assegurados expressamente pela Constituição", diz Araújo.

Para a pesquisadora, os "responsáveis diretos (pela aprovação) foram os parlamentares, mas o governo demorou muito a reagir contra a proposta, provavelmente imerso em suas contradições internas".

"Uma demanda resume o necessário: veta Lula, na íntegra!", defende Araújo.

Assessora de Advocacy do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Luiza Chaer diz que o projeto aprovado é "recheado de inconstitucionalidades, que fomenta a insegurança jurídica e a judicialização, fere o pacto federativo e nos coloca em risco de ultrapassar o ponto de não-retorno da Amazônia"

"Tudo isso às vésperas de recebermos o evento ambiental mais importante do mundo, a COP 30 em Belém. Com os alertas de especialistas e as demandas da sociedade civil ignorados, a votação aconteceu na calada da noite em um plenário vazio - o maior retrocesso da política ambiental brasileira em 40 anos", avalia Chaer.

Já a especialista em Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Gabriela Nepomuceno, afirma que o texto precisa ser vetado integralmente:

"A aprovação do PL da Devastação demonstra que os nossos parlamentares estão mais preocupados em destruir do que aprimorar a legislação ambiental, esvaziando a capacidade do Estado de prevenir e mitigar os impactos de obras Brasil afora. O momento é crítico, mas esperamos que parte dessa lambança feita pelo Congresso Nacional possa ser revertida na sanção presidencial. Veta tudo, Lula!", pede Nepomuceno.

Na avaliação de Nepomuceno, o Congresso Nacional "acabou de dar aval para grandes empresas, principalmente as ligadas ao agronegócio e à indústria, se autodeclararem aptas a construir seus empreendimentos sem vistoria prévia, sem a fiscalização do poder público e sem ouvir as populações afetadas".

"Na prática, é como se tivessem autorizado um médico fazer uma grande cirurgia sem antes cursar a residência e sem consultar o paciente. Sem dúvidas, é o maior retrocesso ambiental sofrido pelo Brasil em 40 anos", compara Nepomuceno.

Aprovado na Câmara
O avanço do projeto representa uma derrota para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e também para parlamentares e para a base ideológica mais à esquerda do governo, que apontam retrocessos ambientais. Parlamentares contrários ao texto reclamaram da aprovação e chamaram atenção para o fato de a votação ter sido feita em sessão remota e durante tarde da noite, adentrando a madrugada.

Por outro lado, os ministérios da Casa Civil, Transportes, Agricultura e Minas e Energia já sinalizaram serem favoráveis ao texto, sob a justificativa de que as medidas destravariam obras de infraestrutura em todo o país e melhorariam a capacidade do governo de fazer entregas.

O texto ainda precisará ter a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Caso o petista vete trechos ou todo o projeto, a decisão pode ser revista pelo Congresso Nacional. Ainda assim, integrantes do governo já disseram que as novas regras podem ser questionadas judicialmente.

O projeto foi apresentado originalmente em 2004 pela Câmara, mas foi destravado apenas neste ano após um compromisso firmado entre o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), conhecida como bancada ruralista. O texto foi aprovado pelo Senado em maio e agora passou pela segunda votação na Câmara.

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