Regulação econômica de big techs incentiva inovação, protege o consumidor e não restringe conteúdo
Segundo o número 2 da Fazenda, o governo desistiu do projeto para regular redes sociais para não mobilizar 'ideologias no Congresso' e possibilitar o avanço da proposta econômica
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirma que o projeto de regulação econômica das big techs, enviado nesta quarta-feira pelo governo Lula ao Congresso, visa a adequar os mecanismos de proteção à concorrência ao "papel inédito" que as big techs ganharam na economia e não traz nenhuma restrição de conteúdo.
— Essa proposta não trata de moderação de conteúdo. Isso é fundamental. Nós não estamos tratando de nenhuma restrição, obstaculização, critério sobre conteúdo. Nós estamos tratando de uma regulação econômica, de estrutura e conduta de modelo de negócio que as empresas hoje adotam — disse, em entrevista ao Globo.
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Na avaliação de Durigan, a decisão do governo de desistir do projeto de moderação de conteúdo nas redes sociais dá condições para que as regras de aumento de concorrência sejam bem-recebidas no Parlamento.
Em relação ao conteúdo, o número 2 da Fazenda afirma que já houve uma solução no Supremo Tribunal Federal (STF) para ampliar a responsabilidade sobre a remoção de publicações com teor ilícito e também um aprimoramento para proteger crianças e adolescentes, com a lei sancionada nesta quarta-feira.
— O governo optou por não enviar qualquer proposta agora que tratasse de moderação de conteúdo ou de responsabilidade das empresas, até porque é um debate recente no país, que teve solução no Supremo. Então acho que esse é um primeiro gesto importante no sentido de avançar numa pauta que é econômica e mobiliza menos as ideologias do país.
Além disso, Durigan avalia que o projeto de regulação econômica das big techs terá boa receptividade pelos parlamentares porque a proposta, junto com a medida provisória (MP) que trata dos incentivos à indústria de datacenters, faz parte de uma agenda de desenvolvimento do país.
Em linhas gerais, o projeto dá mais poderes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para estabelecer uma regulação prévia para as empresas que forem consideradas “sistemicamente relevantes” para evitar abusos. Atualmente, o órgão de defesa da concorrência do país só atua quando identifica algum caso que fere o equilíbrio dos mercados.
De acordo com a proposta, o Cade ganhará uma superintendência de mercados digitais que ficará responsável por definir quais plataformas estarão sujeitas a mecanismos prévios de defesa da concorrência. Essa seleção será feita de acordo com critérios qualitativos e quantitativos previstos na lei, como número significativo de usuários, oferta de múltiplos serviços e acesso a volume significativo de dados.
Objetivamente, só estarão sujeitas à regulação específica as empresas que tenham registrado, nas últimas demonstrações financeiras, faturamento bruto anual global superior a R$ 50 bilhões ou faturamento bruto anual no Brasil superior a R$ 5 bilhões — critério conhecido como “porto seguro”.
5 a 10 plataformas
Estima-se que de 5 a 10 plataformas operando no Brasil possam atender inicialmente aos critérios estabelecidos. Pelos critérios, Meta, Google, Amazon, Microsoft, Apple, Mercado Livre e iFood poderiam ser afetadas pela medida.
Durigan destaca que as big techs ganharam um “papel inédito” na economia de intermediação global entre vários atores, seja entre empresas ou com o consumidor. Esse papel se destaca pela escala de atuação, que dá vantagens competitivas, como os dados obtidos devido à intermediação dentro da plataforma, e a possibilidade de segmentação.
— Tudo isso transformou a economia e a gente precisa reconhecer isso, fazendo com que essas plataformas tivessem um papel de muito destaque. Esse é o diagnóstico econômico que é preciso reconhecer e não é um reconhecimento só do Brasil, é um reconhecimento do mundo.
Segundo o secretário, os mecanismos de concorrência atuais não têm ferramentas para lidar com essa nova realidade e o objetivo do projeto é justamente fazer essa adequação. Ele destacou que, diferentemente da regulação europeia, as obrigações para as empresas selecionadas não serão rígidas, mas definidas caso a caso, considerando a área de atuação, por exemplo.
A expectativa é de que, ao promover a concorrência, o projeto aumente a inovação e proteja o consumidor e também as empresas que ficam vulneráveis ao poder das big techs. Durigan citou exemplos em relação a lojas de aplicativos nos celulares e a contratos de exclusividade de aplicativos de alimentação com restaurantes, ambos são vetores de aumento de custos para os empresários e para o consumidor final
Durigan ainda destacou que a iniciativa não está relacionada a debates recentes com os Estados Unidos.
— Isso não tem a ver com nos Estados Unidos. Parte das empresas que a gente antecipa de alguma maneira,pelo seu porte, pela sua relevância, são chinesas e próprias brasileiras. Então, não tem recorte de nacionalidade, tem sim um recorte técnico, econômico, de valorização do mercado brasileiro. Esse é o ponto principal.
Datacenters
Já a MP de incentivo à indústria de datacenters visa não só promover o crescimento do setor no Brasil, mas também aumentar a soberania digital do país em um momento de elevada tensão nas relações com os Estados Unidos. Parte do espaço nos datacenters terá de ser reservado para os dados brasileiros.
— O nosso diagnóstico é de que a gente precisa fortalecer a nossa soberania digital, inclusive de dados, de territorialidade de dados.
A iniciativa antecipa os efeitos da reforma tributária para o setor, com uma renúncia fiscal em 2026 de R$ 5,2 bilhões. A expectativa de investimentos privados é de R$ 2 trilhões em 10 anos.

