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[Opinião] Protesto sem pluralidade é massa de manobra

Passeata da greve pela educaçãoPasseata da greve pela educação - Kleyvson Santos/Folha de Pernambuco
Por Alex Ribeiro

Mais de 200 cidades em todo o território brasileiro realizaram manifestações na última quarta-feira (15) contra o “contingenciamento” promovido pelo Governo Federal sobre as instituições de ensino. É o maior ato realizado no Brasil a favor da ciência, dos educadores e dos estudantes. Até aqueles que reclamam do Carnaval e usam o jargão “se esse povo todo fosse as ruas pela educação” se surpreenderam. Apesar de um apoio maciço nas redes sociais, comprovados pela consultoria Idea Big Data, defensores do governo e os considerados anti-esquerdistas insistem em diminuir a legitimidade dos protestos. Para alguns, outras pautas não deveriam estar presentes.

É preciso esclarecer que boa parte das manifestações contam com a participação de pessoas não vinculadas a qualquer organização. Embora existam diferentes reivindicações, muitas marcam presença em atos por um denominador comum. E isso as movem a irem para as ruas espontaneamente.

A partir desse pressuposto podemos levantar alguns argumentos sobre o quanto os protestos são diversos e é desta forma que precisamos reconhecer a sua importância. O primeiro são as identidades que existem no Brasil. As diferenças étnicas e regionais e, claro, sociais, são frutos de um grande fluxo de imigração existente no país, principalmente no período da escravidão e pós-abolição com grupos vindos da Europa e Ásia. A sociedade brasileira é construída a partir do processo de hibridização cultural.
Somos múltiplos. E pautas consideradas progressistas como a Reforma Agrária, a igualdade racial, a diversidade cultural e também contra a Reforma da Previdência fazem parte de qualquer manifestação que possuam bandeiras semelhantes, como na luta por uma educação pública, critica, gratuita e de qualidade, por exemplo.

O segundo é a cultura política diversificada de um país tão diverso feito o Brasil. Ela é plural e com valores partilhados entre um grupo social. Em alguns momentos estes elementos podem estar em estreita relação uns com os outros. Como no caso das manifestações que ocorreram contra a ex-presidente Dilma Rousseff. Pautas como o liberalismo, o conservadorismo, a monarquia, a Ditadura civil-militar e até o fascismo estiveram presentes nesses atos. Mesmo que não estivessem interligados eles caminharam e de certa forma ainda marcham uns ao lado dos outros. Não é à toa que parlamentares eleitos nas últimas eleições ainda levantam algumas dessas bandeiras.

O terceiro ponto é que nem sempre os movimentos sociais são protagonistas nas manifestações. A organização política não é feita somente por eles. Alguns surgem, dispersam e voltam à tona dependendo do interesse de determinados grupos. Já outros pegam carona e tentam conseguir mais espaços levando suas mensagens em diferentes atos públicos. Isso comprova que todo homem e/ou mulher é um ser político. Sejam aqueles que discordam, apoiam ou até se dizem indiferentes sobre determinada causa.
Eles tomam posição política.

Ao contrário da declaração do presidente Jair Bolsonaro, a pluralidade das pautas fortalece as manifestações. De outro modo seriam “massas de manobra”. As pessoas que participam de atos políticos não são idiotas úteis. Podem ser com mensagens de “Lula Livre” ou em prol do liberalismo e até discursos considerados mais extremistas como apoio ao governo da Venezuela e a Ditadura civil-militar do Brasil. Elas têm seus interesses e podem ser movidas por uma pauta em comum. No geral, os protestos ocorrem perante uma insatisfação ao poder vigente e pelas crises criadas muitas vezes pelo sistema político, que é arrastado para dentro dos conflitos por conta de sua própria incompetência.

A multidão nunca se cala. Seja em qualquer tipo de movimentação ou aderência, ela nunca pode ser tratada como bestializada.

*Por Alex Ribeiro, doutorando em História Política pela UFBA, cientista político pela UFPE, educador e jornalista.

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