Judicialização no SUS: regras claras, desafios maiores
A judicialização da saúde no Brasil, especialmente quanto ao fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS, sempre enfrentou grandes desafios: a demora processual, a insegurança jurídica, decisões judiciais que substituíam escolhas técnicas de gestores e os entraves orçamentários. O julgamento do Tema 1.234 do STF, no RE 1.366.243, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes, representa uma mudança de paradigma ao firmar critérios objetivos de competência, custeio e justificativa adequada das decisões judiciais. Embora isso represente novas barreiras para muitos pacientes, a decisão pretende trazer maior previsibilidade e racionalidade a esse campo tão sensível.
No mérito, o STF fixou que as ações envolvendo medicamentos registrados na ANVISA, mas não incorporados ao SUS, serão de competência da Justiça Federal quando o valor anual do tratamento for igual ou superior a 210 salários mínimos. Se o custo for entre 7 e 210 salários mínimos, a competência permanece na Justiça Estadual, cabendo à União ressarcir 65% da despesa ao Estado ou Município que arcar com o fornecimento. Nos casos de medicamentos oncológicos não incorporados, ajuizados até 10 de junho de 2024, a União ressarcirá 80% do valor. Para medicamentos sem registro na ANVISA, aplica-se a jurisprudência consolidada no Tema 500, mantendo-se a competência da Justiça Federal.
Outro ponto fundamental foi a fixação de parâmetros para limitar a atuação judicial. O Supremo deixou claro que o magistrado não pode substituir tecnicamente a decisão administrativa da Conitec, devendo apenas exercer controle de legalidade. Além disso, transferiu para o paciente o ônus da prova: cabe ao autor da ação demonstrar a eficácia e a segurança do tratamento com base em medicina baseada em evidências e comprovar a inexistência de alternativa terapêutica já incorporada ao SUS.
O aspecto mais relevante do julgamento, e que gerou muitas dúvidas , foi a definição sobre os efeitos da decisão. O STF já formou maioria para definir que a tese sobre fornecimento judicial de medicamentos não incorporados ao SUS tem aplicação de forma imediata para todos os processos em andamento . O ministro Luís Roberto Barroso destacou que não cabe modulação dos efeitos e que a tese do Tema 1.234 se aplica aos processos em curso, que podem ser revistos . Os processos já transitados em julgados não são afetados . Portando , as ações já em andamento, devem observar desde já os novos critérios de competência, custeio e requisitos probatórios, com reexame da matéria . Essa decisão amplia consideravelmente o impacto do precedente, pois modifica a realidade de milhares de processos que tramitam no país.
Para os pacientes, isso significa enfrentar um caminho ainda mais árduo. A exigência de laudos médicos bem fundamentados, de estudos científicos robustos e a prova da inexistência de alternativas disponíveis no SUS tornam mais difícil o acesso judicial a tratamentos. Por outro lado, para os gestores públicos, a decisão oferece maior segurança jurídica, clareza de responsabilidades e condições de planejar políticas públicas sem serem surpreendidos por decisões judiciais descoordenadas.
Em síntese, o Tema 1.234 busca equilibrar o direito individual à saúde com a sustentabilidade do sistema público, marcando uma virada na forma como o Judiciário lida com o fornecimento de medicamentos fora da lista oficial. Com a aplicação imediata aos processos em curso, a mensagem é clara: só haverá espaço para exceções bem fundamentadas, com argumentação consistente e lastro científico robusto. Para os advogados e profissionais de saúde que atuam na defesa de pacientes, o desafio é redobrado: articular ciência e direito com precisão para não deixar desamparados aqueles que dependem do sistema de justiça para garantir sua chance de tratamento.



