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Batatas em Marte (2ª parte)

Batatas em MarteBatatas em Marte - João Lin

Na coluna passada, falamos do plano da Nasa de plantar batatas em Marte. Reconhecendo os méritos desse tubérculo, originário da Cordilheira dos Andes e, dali, levado a outras regiões do mundo, por colonizadores espanhóis. Durante muito tempo foi apenas alimento de animal e camponês.  Passando a ter prestígio mesmo na França, com o farmacêutico, agrônomo e militar francês Antoine Augustin Parmentier. Na prisão de Westfalia, ele fez regime à base de batatas (para os franceses, pomme de terre – maçã da terra) e acabou fascinado por elas. De volta à pátria, converteu sua divulgação em verdadeiro apostolado. E pagou caro por isso. Em 1769, por exemplo, acabou demitido do posto de farmacêutico-chefe dos Invalides, por servir batatas aos militares ali internados. Veteranos do exército, alimentados com “comida que se dava aos porcos”, assim se dizia, era um ultraje à honra militar francesa. Mas vingança é prato que se come frio. E ela começou quando Parmentier reuniu, em sua casa, Benjamin Franklin, que estava na França para negociar, junto a Luís XVI, uma aliança com a jovem república americana; Lavoisier, um dos criadores da química moderna; o filósofo d’Alembert e o jovem aristocrata sueco Hans Axel Fersen.  No jantar, serviu apenas pratos à base de batata. Foi um encantamento geral. Por Fersen, frequentador da cama de Maria Antonieta, essa batata acabou penetrando na Corte de Luiz XVI.  E passou, definitivamente, a fazer parte das mesas importantes. Pelo apostolado, seu divulgador recebeu título de barão. E vários pratos levam hoje seu nome – dos quais, o mais conhecido é o hachis parmentier (carne moída coberta com purê de batata).

Não se sabe exatamente quando os portugueses foram apresentados a ela. Segundo a versão mais difundida, teria vindo ao país pelo norte.  Da vizinha  Galícia – onde começou, na Espanha, o seu cultivo. A primeira referência bibliográfica portuguesa remonta ao dicionário português-latim Tesouro da Língua Portuguesa (1647), de Bento Pereira. Por ocupar o lugar das castanhas, em alguns pratos, foi ali também chamada castanha-da-índia.  E logo conseguiu, na cozinha portuguesa, um papel de grande relevo – entrar em quase todas as sopas e acompanhar quase todos os pratos. Destaque especialíssimo para o bacalhau.  Também aqui no Brasil, por influência do colonizador, passou a frequentar todas as mesas. Inclusive como ingrediente na fabricação de alguns pães. Ou como tira-gosto – salgada, frita ou em conserva (com casca). Como entrada – em saladas e sopas. Como acompanhamento de pratos variados – aves, carnes, crustáceos, peixes. E de todos os jeitos: amassadas no purê, cortadas em fatias ou cubos, cozidas (na água ou no vapor), fritas, palha, rösti, sautée, soufflée.

Nossos índios, curiosamente, não lhe davam muito valor. E continuaram preferindo batata-doce (assada com casca em fogueiras). No Brasil, essa batata-doce é classificada pela cor da polpa. Há quatro tipos delas: branca (com polpa bem seca e pouco doce), amarela (um pouco mais doce que a branca), avermelhada (com casca escura e polpa amarela com veios avermelhados) e roxa (mais doce, mais conhecida e mais apreciada de todas). E pode ser consumida cozida, como se vê em todas as ceias nordestinas, ou como ingrediente do Cozido. Frita ou transformada em purê. Sem esquecer que suas folhas são usadas também para fazer um chá de prestígio – usado em gargarejos para curar inflamações da garganta. Dela também se faz bolo e um doce que, no gosto e no aspecto, lembra o marron glassé – o mais sofisticado e caro dos doces franceses.

Homenageando o nosso cinema, nesse tempo de reconhecimento e de prêmios, e fosse a história da batata um filme, ela seria sempre a companhia perfeita. O Magro do Gordo. O charuto de Groucho Marx. O chapéu de Buster Keaton. A bengala de Carlitos. A luva de Rita Hayworth, em Gilda. O piano de Sam em Casablanca. O porta-chapéus com que Fred Astaire dança em Núpcias Reais. O guarda-chuva de Gene Kelly em Cantando na Chuva. A cruz de Leonardo Vilar em Pagador de Promessas. O João Grilo de Chicó no Auto da Compadecida. Por falar na obra-prima do mestre Ariano Suassuna, penso que se Chicó tivesse que escrever como as batatas ganharam prestígio e dessa experiência em Marte, ele certamente encerraria o texto dizendo “sei não, só sei que foi assim!”. 
 

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