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Mataram as oliveiras

Conheça a história e a importância dessas oliveiras da aldeia de Al Mughayyir, na CisjordâniaConheça a história e a importância dessas oliveiras da aldeia de Al Mughayyir, na Cisjordânia - Foto: Greg/FolhaPE

Escavadeiras israelenses arrancaram 3.100 oliveiras da aldeia de Al Mughayyir, na Cisjordânia. Segundo Ghasan Abu Aliya, responsável por uma associação agrícola local, com o “objetivo de controlar e forçar os palestinos a emigrarem”. É que essas oliveiras centenárias eram a “vida, o sustento, o alimento e a essência da cultura local” segundo O Globo (30 de agosto). Mais um capítulo triste, dessa guerra sangrenta, que não poupa nada nem ninguém. 

Provavelmente esses assassinos desconhecem a história e a importância dessas oliveiras. Ou não. O que é ainda mais grave. Conta antiga lenda grega que Poseidon e Atena disputavam um pedaço de terra. Decidindo os 12 juízes do Tribunal do Olimpo que essa terra seria de quem ali criasse a mais fantástica obra. Poseidon, deus dos mares (equivalente ao Netuno romano), criou com seu tridente um oceano. Enquanto Atena, deusa da razão (a Minerva dos romanos), criou uma árvore. Uma árvore especial, de cujo fruto se fazia um óleo que alimentava, curava e seduzia os homens – a oliveira.  Atena ganhou a terra. E a árvore, desde então, anda perto dos deuses. Na Bíblia, por exemplo, há várias referências a ela. Aparece em quase mil passagens. Entre elas quando Noé compreende que as águas do dilúvio começavam a baixar – “E eis que a pomba voltou trazendo, no bico, um ramo novo de oliveira” (Gênese 8, 11). Ou quando Jesus pressentiu o próprio calvário – “Conforme o seu costume Jesus dirigiu-se ao monte das oliveiras e disse: Pai, afastai de mim este cálice” (Lucas 22, 39-42). Sem esquecer que o azeite, desde então, está presente em quase todos os sacramentos – batismo, crisma, unção dos enfermos. E, também, na ordenação de novos sacerdotes. Esse óleo, também estava presente nas lamparinas de todos os ofícios litúrgicos. Não por acaso a mais antiga referência escrita à oliveira, em papiro egípcio do século XII a.C., refere essa propriedade: “Destas árvores pode ser extraído o óleo mais puro para manter acesa as lâmpadas do teu santuário” – com o faraó Ramsés III ofertando a Ra, deus sol, os olivais existentes em torno da cidade de Heliópolis. Os túmulos de faraós, aliás, eram ornamentados com ramos de oliveira – para que o morto fosse capaz de encontrar seus deuses, na outra vida. Hebreus amarravam esses ramos, em suas portas, para que nada lhes faltasse.  Valendo lembrar que governantes e heróis, como símbolo de glória, sempre foram coroados com suas folhas. 

O povo foi dando, a esse azeite, usos que vem se mantendo com o passar do tempo.  Untar o corpo, para proteger do frio – como fazem os maratonistas, hoje, para aquecer os músculos. Passar no cabelo, para dar brilho – como ainda hoje, por ter antioxidantes que neutralizam os radicais livres (responsáveis pelo envelhecimento), é ingrediente de cremes para cabelo e pele. Para curar, no tratamento de feridas e queimaduras ou para alívio das dores – como hoje se indica para quem tem cólica hepática. Na sua Naturalis Historia, um dos mais importantes documentos da ciência antiga (37 volumes), Plínio, o Velho, confessa que o segredo da sua longevidade estava no azeite que ingeria diariamente. Morreu não de doença, mas soterrado pelas lavas do Vesúvio – contra as quais foi o azeite de bem pouca serventia. Com a ciência hoje comprovando que o consumo de azeite aumenta mesmo as chances de se viver mais. Por diminuir o LDL (colesterol ruim) e aumentar o HDL (colesterol bom). De quebra, ainda prevenindo arteriosclerose e formação de tumores. A essência das folhas da oliveira reduz os níveis de glicose no sangue dos diabéticos. Plínio sabia que ele era tudo isso. Só não sabia era por quê.  (Continua na próxima coluna)

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