Voluntariado profissionalizado: transformando a forma de fazer o bem
Nos momentos mais difíceis, o Brasil revela sua face mais solidária. Seja diante de desastres naturais, pandemias ou desigualdades históricas, é comovente ver como tantas pessoas estão dispostas a doar tempo, talento e recursos para ajudar quem precisa. Mas se por um lado o coração pulsa forte, por outro é preciso reconhecer: sem estrutura, formação e coordenação, o voluntariado não alcança seu pleno potencial.
É por isso que venho defendendo, com cada vez mais convicção, a profissionalização do voluntariado como um passo essencial para tornarmos a solidariedade mais eficaz, escalável e duradoura. Trata-se de uma mudança de mentalidade: enxergar o voluntariado não como improviso, mas como estratégia. E isso começa com o fortalecimento de redes organizadas.
Redes organizadas: quando a solidariedade ganha método
Um dos maiores exemplos que temos no Brasil de um sistema bem estruturado é o Transforma Recife, projeto que tive a honra de ser uma das idealizadoras. Criado como uma plataforma digital e uma política pública, o programa conecta pessoas dispostas a ajudar com causas sociais e organizações que realmente precisam de apoio. Não se trata apenas de um cadastro: ali há curadoria, orientação, métricas e acompanhamento. O voluntariado é tratado com seriedade e isso faz toda a diferença. A força do Transforma está justamente na sua capacidade de orquestrar múltiplos atores de maneira coordenada. Esse tipo de estrutura é o que garante que o voluntariado seja, de fato, transformador.
No Movimento União BR, rede da qual faço parte desde sua fundação, vivemos isso na prática. Criado durante a pandemia, o União BR surgiu para dar respostas rápidas a uma crise inédita. Desde então, atuamos em catástrofes naturais, como as enchentes em Pernambuco e, mais recentemente, no Rio Grande do Sul. A capacidade de resposta que desenvolvemos só foi possível porque operamos com uma lógica quase empresarial: logística integrada, alianças institucionais, captação estruturada e um grande exército de voluntários capacitados. E, sobretudo, porque trabalhamos em rede.
Formação: a base de um voluntariado efetivo e seguro
Ser voluntário é assumir uma responsabilidade. E responsabilidade exige preparo. Capacitação técnica, acolhimento emocional, noções de primeiros socorros e até treinamentos de campo fazem parte da base de atuação de voluntários de ajuda humanitária. Um voluntário treinado não só evita erros: ele multiplica o impacto.
Formar e cuidar de quem cuida é parte da nossa missão. Em muitas das operações que realizamos, desenvolvemos parcerias com instituições de ensino e organizações sociais que formam e organizam os voluntários que estarão nas ruas, nos abrigos, nos centros de doação. Isso é essencial para garantir não apenas qualidade, mas também segurança e respeito a quem está sendo atendido.
Logística: o que mantém a solidariedade em movimento
Pouco se fala sobre isso, mas um dos maiores desafios do voluntariado em larga escala é logístico. Como fazer alimentos chegarem a regiões isoladas? Como garantir que voluntários tenham transporte, alojamento e alimentação durante uma missão? Como manter um fluxo constante de recursos e suprimentos?
No União BR, desenvolvemos uma logística baseada em dados e em parcerias. Temos rotas traçadas, protocolos de entrega, centros de armazenamento e uma rede de empresas que nos apoia com transporte, tecnologia e infraestrutura. Foi assim que conseguimos montar carretas de saúde, apoiar abrigos e criar cozinhas solidárias em locais completamente alagados. Sem esse cuidado, a boa vontade simplesmente não chega aonde precisa.
Dados que reforçam a urgência
Uma pesquisa nacional inédita realizada pela Nexus em parceria com o Movimento União BR, em maio de 2025, revela que 8 em cada 10 brasileiros acreditam que as tragédias aumentaram no país, sendo que 74% atribuem esse crescimento às mudanças climáticas.
A mobilização solidária é forte: 82% dos brasileiros já doaram ou ajudaram em situações de tragédia, e 16% são considerados super engajados, tendo realizado cinco ou mais ações voluntárias. As principais motivações são a gravidade da tragédia (43%) e a confiança nas instituições que promovem as campanhas (27%).
O levantamento também aponta que quase metade da população (48%) não sabe onde buscar informações em caso de desastre na sua cidade. E 79% afirmam que ter acesso a informações claras e confiáveis aumentaria sua disposição para ajudar.
Esses dados confirmam o que vemos no campo: solidariedade o Brasil tem de sobra. O que falta, muitas vezes, é estrutura, preparo e comunicação clara.
Protocolos padronizados: agir com segurança e eficiência
Em operações humanitárias, cada segundo conta. Por isso, é fundamental que todas as etapas, do cadastro ao desligamento, sigam protocolos claros e padronizados. Esses protocolos evitam falhas, protegem vidas e garantem que a ajuda certa chegue às pessoas certas, no momento certo. Eles também permitem que se possa replicar a atuação em diferentes estados, com diferentes contextos, mantendo a mesma eficiência.
O futuro do voluntariado é profissional
Não é exagero dizer que vivemos uma nova era para o voluntariado. E ela exige que deixemos para trás a ideia de que ajudar é apenas uma questão de boa vontade. Ajudar precisa de gestão e compromisso.
A profissionalização do voluntariado é um novo horizonte da ajuda humanitária. É o que vai nos permitir ampliar o impacto, antecipar respostas, fortalecer comunidades e reconstruir vidas com dignidade. O Brasil tem gente disposta e tem talento para fazer disso um sistema.
Meu convite, como empreendedora social que acredita no poder da coletividade, é simples: vamos investir no voluntariado como política pública, como estratégia nacional e como parte de uma cultura de cidadania ativa. Nosso país já tem os exemplos. Agora, precisamos transformá-los em política de Estado.
A solidariedade brasileira é gigante. Com método, ela se torna imbatível.



