Inflação: decifra-me ou te devoro
Por que o IPCA já não representa o Brasil que temos e o que precisa mudar.
Segundo consta, remonta ao início do século XX, por volta de 1920, o primeiro esforço concentrado para apuração da variação de preços no Brasil. Trabalho realizado pela Fazenda Nacional.
Na sequência, em meados do século passado, a Fundação Getúlio Vargas passa a calcular o Indice Geral de Preços – IGP, que envolve o Indice Geral de Preços Mercado - IGP-M.
De 1948 a 1978 a produção do índice de preço ao consumidor esteve a cargo do Ministério do Trabalho. De 1978 até os dias atuais a tarefa passou a ser realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE.
O Sistema foi revisado pelo IBGE que criou o Sistema Nacional de Índices de Preço ao Consumidor – SNIPC que hoje é responsável, dentre outros, pelo Indice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC e Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA.
O SNIPC também elabora outros índices de menor relevância e alguns para atender obrigações legais.
Ao fim e ao cabo, o trabalho consiste na elaboração mensal dos índices de preços que, via de regra, obedece a mesma concepção metodológica: pesquisas básicas, estrutura de pesos, bases cadastrais e métodos de coleta e de cálculo.
Cada índice guarda seus próprios objetivos, geralmente, relacionados à população, objetivo e período de coleta.
O índice de inflação hoje é medido através do IPCA – Indice de Preço ao Consumidor Amplo. Mede a variação de preços para uma cesta de produtos e serviços que abrange famílias com renda entre 1 a 40 salários-mínimos.
O IBGE coleta dados para o cálculo do IPCA em 10 regiões metropolitanas (Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória), além de 6 municípios (Aracaju, Brasília, Campo Grande, Goiânia, Rio Branco e São Luís).
São pesquisados 377 itens em mais de 30 mil locais envolvendo aproximadamente 430 mil preços nas 13 áreas urbanas e mais 06 cidades.
De pronto, verificamos que, na nossa opinião, existe uma distorção nesta metodologia. Como pode o levantamento de preços em algumas dezenas de cidades, repercutir, para o bem ou para o mal, em 5.569 municípios no país?
Não podemos entender que pesquisa de preços tenha similaridade com, por exemplo, pesquisa de opinião, que procura encontrar uma população representativa do pensamento nacional em um conjunto específico de pessoas.
Sou sexagenário, cristão católico, economista, classe média, conservador e de direita. Talvez minha opinião possa ser, ou não, representativa do pensamento de outros brasileiros com as minhas características. Mas, o preço que eu compro o pão no mercadinho na esquina da minha casa, na Região Metropolitana do Recife, pode não ter nada a ver com o preço do pão que um conterrâneo pernambucano paga no sertão do nosso Estado ou mesmo um cidadão da Amazônia.
Os grupos de produtos e serviços pesquisados são: Alimentos e bebidas; habitação; artigos de residência; vestuário; transporte; saúde e cuidados pessoais; despesas pessoais; educação e comunicação.
Outro aspecto é que a partir de janeiro de 2020 os transportes passaram a ser mais relativamente representativos do que alimentos e bebidas.
Nesta última atualização dos itens, foram incluídos 56 novos itens, por exemplo, aplicativos de transportes e gastos com pets e retirados 64 itens, tais como DVD, assinatura de jornal, fotocopia, máquina fotográfica, dentre outros.
Também foram retirados: liquidificador, forno de micro-ondas, ingresso para jogo, dentre outros itens que, no entanto, permanecem na cesta de consumo da população de 1 a 40 salários-mínimos.
Se a alteração pode ter qualificado o levantamento, não colabora, para reduzir o a diferença no perfil de consumo comprado entre o cidadão urbano e o cidadão rural, por exemplo.
Acaso alguém chama UBER na zona rural? Gatos e cachorros são tratados em PetShops no campo?
Então, qual a questão aqui?
A taxa de inflação deveria ter maior aderência à realidade de cada região.
A nacionalização da taxa de inflação, hoje representada pelo IPCA, não alcança essas questões regionais e termina “exportando” taxas de inflação do mundo urbano metropolitano, para todo o resto do Brasil.
É urgente que o IBGE aumente a amplitude do levantamento e acolha as características da economia local nas localidades brasileiras e crie, inclusive, IPCA regionais ou mesmo locais.
Diante de tantas novas tecnologias da informação, processamento de dados on line, inteligência artificial etc. acreditamos que já é tempo dos demais “brasis” serem retratados pelo IBGE.
Afinal, o IPCA revela o custo de vida no Brasil. Mas, que Brasil?
Para o bem ou para o mal, se a taxa nas 16 localidades é afetada por bens e serviços urbanos, termina contaminando o reajuste de bens e serviços por todo o Brasil, pela força da inflação inercial.
Se porventura for menor do que em outras regiões, sub reajustará os salários e rendimentos daquelas regiões, impondo assim um possível empobrecimento artificial.
Outro aspecto é que também foram alterados em 2020 os pesos de cada cidade.
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Entre as 16 cidades e regiões metropolitanas que são analisadas pelo IPCA, São Paulo continua tendo o maior peso, respondendo 32,3% da taxa nacional - antes eram 30,7%; Belo Horizonte com 9,7% teve queda na participação, que era 10,9%, mas ultrapassou o Rio de Janeiro, cuja participação recuou de 12,1% para 9,4%.
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Além de Rio de Janeiro e Belo Horizonte, tiveram queda na participação do IPCA as cidades de Salvador, de 6,1% para 6%; São Luís, de 1,9% para 1,6%; Belém, de 4,2% para 3,9%, e Recife também de 4,2% para 3,9%.
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Por outro lado, aumentaram sua participação Porto Alegre, de 8,4% para 8,6%; Curitiba, de 7,8% para 8,1%; Goiânia, de 3,6% para 4,2%; Brasília, de 2,9% para 3,2%; Fortaleza, também de 2,9% para 3,2%; Vitória, de 1,8% para 1,9%; Campo Grande, de 1,5% para 1,6%; Aracaju, de 0,8% para 1%, e Rio Branco, de 0,4% para 0,5%.
Ou seja, 1/3 (um terço) da inflação nacional é ditada pela Região Metropolitana de São Paulo. O fato de termos 21,5 milhões de pessoas nesta região, aproximadamente 10% da população nacional, não legitima que os outros 90% sofram forte influência em suas vidas, ocasionada por custo de vida que não tem qualquer aderência à sua realidade.
Mas este cenário do índice mais importante para a economia brasileira, ao lado de desemprego, PIB e SELIC, ainda pode ser mais preocupante, senão vejamos:
O índice IPCA é calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Este Instituto, pela responsabilidade que carrega de apurar, elaborar modelos, calcular e divulgar um dos índices mais importantes da economia brasileira, carrega a áurea de sacrossanto no Brasil econômico.
Assim sendo, para preocupação da nação brasileira, no início deste ano, os funcionários da instituição denunciaram o risco de comprometimento na apuração dos índices em função de atitudes consideradas prejudiciais tomadas pela direção do órgão.
Os funcionários, 136 de três das diretorias mais importantes do IBGE, em defesa da instituição, divulgaram uma carta aberta onde expressaram a preocupação com a credibilidade dos dados, dentre outras questões.
O foco da insatisfação foi a criação da Fundação IBGE+, de caráter público-privado, que poderia colocar em risco a credibilidade dos dados apresentados pelo instituto.
"Nossa preocupação é justamente manter a qualidade e, sobretudo, a confiabilidade dos dados. Por esse motivo, a criação de uma fundação público-privada que usa o próprio nome do IBGE, sem que houvesse ampla discussão sobre os possíveis riscos à nossa autonomia e à confiabilidade dos dados, tem mobilizado intensamente e com razão nosso corpo técnico", disseram os servidores na carta.
Assim sendo, acreditamos, que o índice que mexe com a vida de 213 milhões de brasileiros e mais de 20 milhões de empresas precisa urgentemente ser revisto, ampliado, tornar-se mais representativo de forma a ser mais justo e equilibrado, e, principalmente blindado de interferências políticas denunciadas como deletérias.
Ao fim e ao cabo, entendo que as entidades patronais, bem como, dos trabalhadores, poderiam se envolver mais com o sistema de elaboração dos índices de preços, de forma a colaborar com a sistemática e salvaguardar a correção, lisura e garantir que não se politize uma das bússolas da economia nacional.
Em tempo: o IPCA de outubro foi 0,09%. Por acaso, alguém está reconhecendo esta inflação de 0,09% na sua vida ou da sua empresa, ou parece que é muito mais?
Forte abraço a todos e fiquem com Deus!
Marcio Borba
Economista CORECON 4229 PE
Diretor da Borba Consultoria
Presidente da Sociedade Pernambucana de Planejamento Empresarial - SPPE



