Sáb, 13 de Dezembro

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Um Ponto de vista do Marco Zero

Argilas pernambucanas

Na prática, os pernambucanos vivem os aprendizados. Como sociedade, no plural

Segundo Hannah Arendt, a vida do espírito move três atividades: a função biológica, a função do trabalho e a ação pessoalSegundo Hannah Arendt, a vida do espírito move três atividades: a função biológica, a função do trabalho e a ação pessoal - John MacDougall / AFP

Segundo Hannah Arendt, a vida do espírito move três atividades: a função biológica no zelo com a vida; a função do trabalho que corresponde aos fazeres de cada um; e a ação pessoal, realizada entre as pessoas, no agir político conjunto. Assim, vida, trabalho e política.

Nas minhas leituras, tenho lançado um olhar sobre Pernambuco. A arquitetura da obra social pernambucana. Como produto histórico. E elaboração do povo. Com foco no século XIX. Pois foi a partir daquela época que os luzeiros pernambucanos brilharam mais intensamente.

Identifiquei três etapas naquele processo coletivo: a etapa do dizer, a etapa do agir e a etapa do pensar. A etapa do dizer foi a da fundação de veículos da imprensa pernambucana. O Typhis Pernambucano, jornal político, fundado por Frei Caneca. E que circulou entre 1823-24. O Diário de Pernambuco, fundado em 1825. Bicentenário, circulando até hoje. E o Carapuceiro, que existiu entre 1832-47. Nesta fase, Pernambuco aprendeu a falar. A dizer. A expressar o discurso das ideias. Na linguagem do republicanismo, da abolição da escravatura e da defesa do constitucionalismo.

A etapa do agir foi a da ação revolucionária. Quando prevaleceu o espírito insurgente do pernambucano. Em que lutamos, com amor, sem temor, por nossos ideais políticos. Em trinta anos, produzimos três revoluções: a dos maçons, em 1817; a dos padres, em 1824, e a Praieira, em 1848. Que Amaro Quintas denominou a única revolução social do país. Porque, oprimido economicamente e amputado territorialmente por Pedro I, os pernambucanos passaram fome.

E a etapa do pensar, acentuada no movimento político e jurídico chamado de Escola do Recife. Nucleado na Faculdade de Direito do Recife, nos anos de 1870. Foi a fase em que tom pessoal e conduta coletiva eram baseados no pensamento científico. Fundamento filosófico. Então, ultrapassada a cordilheira das insurgências, alcançamos a planície da ressurgência. Foi o tempo das aulas de Tobias Barreto e de Sílvio Romero. Das lições de Clovis Bevilacqua. E dos discursos parlamentares de Joaquim Nabuco. Convergiram todos para igual propósito intelectual: experiências políticas e ciência social. Produzindo doutrina brasileiramente pernambucana.

Na prática, os pernambucanos vivem os aprendizados. Como sociedade, no plural. E como talentos, no autógrafo individual. Vivemos fase revolucionária, na primeira metade do século XIX. Custosa politicamente. E, na segunda metade do século XIX, deixamos de ser revolucionários. Viramos reformistas. Aprendemos a lidar com o poder. Assumimos o modo convivencial. De um lado, por causa da pressão política de José Bonifácio. Tutor de Pedro de Alcântara, que viria a ser Pedro II. Após a abdicação de Pedro I, em 1831. De outro lado, por intermédio do regime de persuasão provincial do gabinete da conciliação do Marquês do Paraná. 

Hoje, a projeção contemporânea da economia do estado, aponta três vocações: a primeira é a vocação atlântica, logística, exportadora, baseada na infraestrutura portuária de Suape e do Recife. A segunda vocação é de serviços tecnológicos e científicos, apoiada no Porto Digital e nas universidades e faculdades públicas e privadas. E a terceira vocação é a cultura, musical, patrimonial, popular e erudita, na síntese armorial, tão pernambucana. Que vem do grande Sertão. E deságua classicamente no mar. Mar que furou a pedra. Pedra que fundou Pernambuco.  

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