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Um Ponto de vista do Marco Zero

Art door. Ou cidades falam

Olinda, ah, nem se fala. Lá não se mora, lá se olha e admira, escreveu Carlos Pena Filho

Olinda, ah, nem se fala. Lá não se mora, lá se olha e admira, escreveu Carlos Pena FilhoOlinda, ah, nem se fala. Lá não se mora, lá se olha e admira, escreveu Carlos Pena Filho - Alexandre Aroeira / Folha de Pernambuco

Cidades falam. Riem. Choram. E precisam de animação. Por isso, Paris teve a chance de contar com Haussman. Nova York teve a sorte de colher o trabalho de Robert Moses. E Stalingrado mudou o nome para São Petesburgo. Olinda, ah, nem se fala. Lá não se mora, lá se olha e admira, escreveu Carlos Pena Filho. Muito antes, Atenas criou o espaço público. Para exercitar o diálogo coletivo. Na prática da democracia direta.

Ao lado do aspecto político, a cidade é também lugar de arte. Em várias dimensões: a arquitetura, o grafismo, a ecologia, o muralismo urbano. E o art door. O que é art door? É exposição pública da arte individual. Por meio de outdoors. E, por essa via, a cidade fala. Fica mais colorida. Mais animada. Mais identificada consigo mesma. Com seus artistas. Reforçando uma identificação social. Renovando uma aliança entre corpo e alma, rua e invenção. E acentuando o contraste entre o cinza de urbe sem cor e a graça de cidade que pinta. A urbe tediosa e a cidade que pinta e sorri. 

O Recife viveu essa experiência. Era o ano de 1980. O então prefeito Gustavo Krause recebeu a sugestão de Paulo Bruscky e do estimado Daniel Santiago. Dois recifenses, artistas. Com visão universal e senso local. De conversa improvável entre opostos políticos, nasceu o superior interesse público. Vestido de arte. Viável na compreensão de que a cidade é maior do que pedaços. Parciais. Porque a cidade é inteira. Íntegra. É o todo. E assim foi. Com a articulação do menestrel Jomard Muniz de Brito. E a contribuição cidadã de Mauro, da anunciante de outdoors, Bandeirantes.

Num dia milagroso, e inspirado, inspirador, o Recife amanheceu mais colorido. Mais valorizado na expressão magnífica de seus artistas. Cheio de art doors. Na declaração obstinada dos que sabem se juntar. Na aglutinação democrática que reúne política e arte. Arte e política. Arte da política. Art door. Os pintores, grafistas, desenhistas, antes órfãos de oportunidade para expor, ganharam sua vez. Espaço privilegiado para apresentarem seus trabalhos. Uma exposição a céu aberto. Uma cidade-galeria. Um presente para os habitantes da cidade.

Sim, de um lado, os artistas. De outro lado, os consumidores de arte. E uma conexão urbana criativa. E sensata. Tornando a cidade mais bonita. Enriquecida no talento e na cor. O Recife pode ser considerada cidade-monumento: com a torre de cristal de Francisco Brennand; com a rosa dos ventos de Cícero Dias; com a percussão de Naná Vasconcelos. Erguidas no calcário atemporal, na argila da vida infinda. Guardadas na memória azul e branca dos fazeres desta terra. 

Nada mais natural do que complementar a eternidade dessas obras com a exibição temporária, de obras de artistas. Daqui e de fora. O Recife, a Florença tropical de Camus, sempre foi destino. De imaginação. E beleza. Feita de ofertas. Como a de Joaquim Cardozo:
"Por degrau de arenito e de coral, do Recife se desce para a noite do mar. Onde ficam as minas de ágata? As jazidas de calcedônia? Que se estão diluindo nessas águas, nesse mar, um céu com arco-íris e ocasos, um céu? Caiu nesse mar".

 

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