Jardineiros fiéis
O Brasil sempre anistiou militares golpistas. E sempre puniu civis
Toda anistia é política. Porque depende de ato político do Congresso Nacional. Portanto, anistia pode não estar ligada aos fatos. Mas estar relacionada a conveniências políticas. Ao anistiar, a autoridade política está valorizando interesses políticos. Desvalorizando a lei. E fragilizando a justiça.
Ao valorizar interesses políticos e desvalorizar a lei (e a justiça), o Congresso age sobre o presente. E atua sobre o futuro. Age sobre o presente esmaecendo a força do sistema legal. E atua sobre o futuro estimulando a impunidade. Incentivando a repetição da ilegalidade. Desprezando a igualdade. Que nivela todos os cidadãos. Diz que uns cidadãos devem cumprir a lei. E outros, não.
O Brasil sempre anistiou militares golpistas. E sempre puniu civis. Por exemplo: Getúlio Vargas não anistiou Olga Benário, mulher de Luís Carlos Prestes. Que foi deportada. E morreu na prisão. Não anistiou Arthur Ewert. Deportado. Morto na prisão.
Por sua vez, os militares, sempre anistiados, voltaram a novo golpe. Em 1889, o general Hermes da Fonseca participou do golpe que proclamou a República. E esteve presente no golpe dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922. Que se insurgia contra a eleição de Artur Bernardes. O então tenente Arthur da Costa e Silva participou do golpe de 22. E voltou a integrar o golpe de 1964.
O brigadeiro Eduardo Gomes participou do golpe de 1954 que resultou na morte de Getúlio Vargas. E voltou a integrar-se ao golpe de 1964. Oficiais da Aeronáutica se revoltaram contra a posse de JK, em 1956. Refugiados em Jacareacanga, foram anistiados. Voltaram a se revoltar em 1959, fugiram para Aragarças. Novamente anistiados. Desta vez, por meio de simples ofício. Do mesmo presidente JK.
A tentativa frustrada dos golpistas de 8 de janeiro de 2023 é exceção. A uma série de oito golpes exitosos. Foram eles: 1889 (proclamação da República); 1891 (renúncia de Deodoro da Fonseca e ascensão de Floriano Peixoto); 1930 (revolta dos tenentes); 1937 (Estado Novo de Vargas); 1945 (deposição de Vargas e redemocratização); 1955 (contragolpe do general Lott dando posse a Juscelino Kubitschek); 1964 (deposição de Jango Goulart); 1968 (edição do Ato Institucional número 5 fechando o Congresso).
O golpe frustrado de 8 de janeiro acentua dois fatos inéditos: o apoio explícito do presidente dos Estados Unidos ao golpe no Brasil. E a realização de processo criminal e julgamento dos golpistas. Incluindo três generais e um almirante.
A intromissão do presidente norte-americano em assunto da política interna do Brasil é estranha. E se insere no que chamo era do autoritarismo. Que caracteriza época que vivemos. Em que ditadores ditam rumos da política global: Xi Jiping, Vladimir Putin e Kim Jong-un. A que se junta um líder nacional-populista, o presidente Trump.
O julgamento e condenação de oficiais militares é uma valiosa certidão política. De funcionalidade judicial. Passada no cartório de virtuosa institucionalidade democrática. Pleno e lúcido exercício de defesa do regime. Como alguém já disse, a democracia é uma flor. Tenra. Precisa de água. E zelo. O Brasil tem jardineiros fiéis. Cuidando desse jardim.



