O homem que pensou o abismo
Geopolítica, a nova ordem mundial, nasce com opções concretas
Cada era tem seu eixo. Na Idade medieval, foi a religião. Na renascença, o Iluminismo. Nos séculos XIX e XX, o nacionalismo. No século XXI, é a geopolítica. A partir da era moderna, a ordem mundial expandia-se inexorável. O chão do sistema era o interesse nacional definido por princípios calculáveis. Negociados em acordos multilaterais. Reconhecidos como razão de Estado.
Esse processo foi iniciado em 1648, no fim das Guerra dos 30 anos. Envolveu Alemanha, Áustria e Países Baixos. Veio a Paz de Vestfália, na Alemanha. Primeira tentativa de institucionalizar uma ordem internacional consensuada. Enfrentou desafios. Amadureceu na pedagogia de guerras e de paz. Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), vivemos o período da guerra fria. Buscando equilíbrio no risco atômico entre estados Unidos e União Soviética.
Então, a guerra fria atingiu o auge nos anos 1970. E as duas superpotências resolveram assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. A República da China havia sido fundada por Mao Tse Tung em 1949. Entre 1980-90, os chineses realizaram profunda transformação econômica. Sob a gestão de Deng Xiaoping (1904-97). O regime chinês continuou comunista. Mas absorveu investimentos privados de países ocidentais. Fórmula utilitária conhecida como “um regime e dois sistemas”.
A longevidade da ordem vestfaliana deve-se ao respeito à soberania de cada país; à inviolabilidade das fronteiras nacionais; e ao fortalecimento do direito internacional. Essa ordem exauriu-se. No epitáfio, consta uma assinatura: Donald Trump. Ele implodiu o multilateralismo: ignorou acordos internacionais; desacreditou o sistema legal norte-americano; deflagrou o tarifaço.
A geopolítica vai substituir o antigo ordenamento. O conceito geopolítico se baseia nos blocos econômicos: União Europeia - UE, BRICS e Mercosul. A UE opera desde os anos 50 do século passado. E tem suporte militar da OTAN. O BRICS, hoje, já atingiu PIB total de US$ 24 trilhões superior, ao dos EUA. E o Mercosul tem chance de complementar negócios na Europa e na América Latina.
Geopolítica, a nova ordem mundial, nasce com opções concretas. Diante da desordem e do clima de desconfiança produzidos pela Casa Branca. A forma abrupta como os americanos trataram velhos parceiros comerciais enseja janelas de oportunidade. Provocadas pela elevada tarifação fixada unilateralmente no Salão Oval.
O Brasil tem capacidade de superar tal cenário áspero. Primeiro, porque as exportações brasileiras para os EUA alcançam apenas 12% do total exportado. Em segundo lugar, porque a tarifa média que o Brasil impõe às importações estrangeiras está acima dos valores praticados mundialmente. Por causa da força política da FIESP. Para proteger a indústria paulista. Está na hora de baixar as tarifas aplicadas aos produtos vindos do exterior. Para dar maior competitividade aos produtos brasileiros.
Agora, é preciso adotar visão estratégica diante do tarifaço. Modulando a ação do Brasil no curto e no médio prazo. No curto prazo, apoiando as empresas a ajustarem a operação de seus negócios no exterior. No médio prazo, definindo novos espaços comerciais. No contexto dos blocos econômicos que serão os filtros de negócios.
O mundo contemporâneo está fragmentado em guerras. Falta ao plano decisório uma grande liderança moral. Que inspire coragem para estabelecer horizontes. O que se passa nos EUA é uma tragédia americana. A propósito, lembro de notável poeta nascido no Missouri, em 1888, chamado Thomas Stearns Eliot. Num dos coros de seu poema, A Rocha, ele indaga: “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?”. A soberba engoliu a trilha civilizatória.



