Pintura do silêncio
Jacques-Bénigne Bossuet especificou três formas de silêncio: da regra, da prudencia e a da paciência
O que é silêncio? É ausência de ruído. Mas, silêncio é mais que ausência de ruído. Porque o silêncio fala. Mostra. Sugere. O silêncio fala nas telas de pintores, na escrita de autores, no ofício da fé, no noturno de ruas sonolentas, na transparência das águas do rio, no voo transcendente do abraço de amor.
Faz-me falta o silêncio. Pois vivemos num mundo de crescente ruído. De silvos. Azucrinantes. De automóveis, motocicletas, sirenes, autofalantes. Em alguns momentos, somos tomados por infernos sonoros, dantescos, cacofonias urbanas. Metropolitanas.
Por isso, busco pacientemente o silêncio. Geralmente, à noite, quando pessoas e máquinas estão em repouso. É a hora em que gosto de pensar. E escrever. Como agora. A paz feita de um silêncio quase absoluto é, para mim, inspiradora. Ainda que imperfeita. À parte o conforto pessoal, encontrei três lugares públicos silenciosos, civilizados: um trem indo de Tóquio a Nara, um restaurante em Oslo admirando os fiordes e um canal na placidez de Brugge.
Entre pintores, o mais característico, como expressão pictórica de silêncio, a meu ver, é Edward Hopper. Porque acentua, na sobriedade de linhas, a solidão infinita, agônica, de homem e mulher. Depois, vem Rembrandt, na maestria de nuances do claro escuro. Como na tela Montanha com tempestade, onde ele capta e transmite raio e relâmpago. Paul Claudel disse que Rembrandt é a pintura do silêncio.
No museu d’Orsay, é possível admirar, silenciosos, o Angellus, de Millet; o Nascimento de Vênus, de Bouguereau; e o Absinto, de Degas (sem Baudelaire).
Entre autores, o primeiro nome, que me vem à lembrança, é Antoine de Saint Exupéry. Ele escreveu: “No deserto, reina um grande silêncio de casa em ordem”. Por sua vez, Albert Camus, na obra Bodas em Tipasa, anotou: “Nesta luz e neste silêncio, escutava em mim ruído quase esquecido. (...) E, agora, acordado, eu reconhecia um a um os ruídos imperceptíveis dos quais era feito o silêncio: o baixo contínuo dos pássaros, os suspiros breves do mar ao pé das rochas, a vibração das árvores, os sussurros das plantas de absinto, os lagartos furtivos”.
O escritor francês Jacques-Bénigne Bossuet especificou três formas de silêncio: o silêncio da regra, o silêncio da prudência e o silêncio da paciência. Nas ordens monásticas, há instantes e horas de silêncio. O silêncio da prudência é prova de discernimento e sabedoria. E o silêncio da paciência é a adesão ao sofrimento, aos olhos de Deus, santificando nossos eventuais calvários.
Nas salas de cinema, o silêncio, nórdico e neolatino, já foi utilizado como técnica de filmagem. Principalmente, na cinematografia sueca, nos anos 60, por Ingmar Bergman. E, nos anos 70, no neorrealismo italiano, por Luchino Visconti e Roberto Rossellini. Atualmente, caiu em desuso.
Mas, nesses tempos intensos e estranhos, o silêncio que desejo contritamente é o silêncio da paz. Onde se possa ver crianças brincando. Pessoas sorrindo na gentileza de dar. E distraidamente olhar os lírios do campo.



