Som para o século XXI
Em improvável e não mais repetida audição. Assim é a música
O que é música? É harmonia. Memória. Inspiração. Celebração. Chama. Coesão social. Em cada estilo. Em cada ritmo. Escuta-se no cotidiano. Nos cinquentenários. Nos instantes de alegria. Nos réquiens. Nos momentos de dor. No êxtase de amor. Tem requebro na percussão. E tem solenidade no cello.
Compareceu, em 1989, à celebração da primavera de Gorbachev. Com as cordas de Shostakovich. Celebrou as Olimpíadas de Paris. Na melodia de La Vie em Rose. Foi fraternalmente executada por israelenses e palestinos, em orquestra. Regidos por Daniel Barenboim. Judeu argentino com cidadania palestina. Em 1947. Em improvável e não mais repetida audição.
Assim é a música. Presente nas ruas de New Orleans. Lembrando o jazz negro, imortal. Alegrando a orla de beira-mar de Havana. Nos acordes do Buena Vista Social Club. Ou iluminando o centro histórico de Lubiliana, na Eslovênia. Nos seus incrivelmente animados bailes noturnos.
O século XVII foi das artes plásticas. Bernini e Rembrandt. El Greco e Vermeer. Velazquez e Caravaggio. Foi também da literatura: Cervantes e Shakespeare. Por seu turno, o século XVIII foi da música: Bach, Handel, Vivaldi. Bach (1685-1750) soube fazer tudo em música: do kantor religioso, a cantatas, paixões, fugas. O cravo bem temperado. O concerto triplo para piano, violino, flauta e orquestra. Era o tempo das realezas, do absolutismo. Das arquiteturas iluministas.
Bach teve seguidores: Haydn, Gluck. E Mozart (1756-1791). Não há uma classificação para Mozart. Sua obra é clarão. Irradiante. E doloroso no plano pessoal. Ganhou a vida precariamente. Dando aulas e concertos. Mas sua invenção melódica é incomparável. Sua música é, por vezes, cosmopolita. Outras vezes, romântica. Sempre brilhante. Sua obra é diversificada. Vai das sonatas às óperas, Bodas de Fígaro, A Flauta Mágica, a fantástica Dom Giovanni.
Então, aparece o sol. Incandescente. Irradiante. No século XVIII, surge a figura mais poderosa da história da música: Beethoven (1770-1827). Um eixo. Clássico. Em torno do qual a música girou. E inovou. Foram nove sinfonias, sonatas, quartetos. Na Nona sinfonia (1823), Beethoven introduziu a voz humana. Um coral. Na forma do poema de Schiller (Ode à alegria). Na terceira fase de sua vida, Beethoven estava surdo. Seu estilo mudou. Saiu do triunfalismo. E assumiu expressão complexa, enigmática. Talvez a surdez o tenha liberado das convenções. E autorizado a ousar um céu mais elevado. Napoleão musical, Beethoven inspirou tom dramático de Wagner. E o som programático de Brahms.
O século XIX vestiu-se de romantismo. Preparando o paradoxal e contrastante século XX. Cenário de conquistas científicas e tecnológicas. Mas igualmente de duas trágicas guerras mundiais. Prenúncio de um dos traços do século XX, o nacionalismo veio com a música. Com o polonês Frederico Chopin (1810-1849).
Em seguida, com o russo Igor Stravinsky (1882-1971). Chopin viveu pouco. Vítima da tuberculose. Mas o suficiente para que ele deixasse sua marca na biografia da música. A simpatia pelos poloneses facilitou a carreira de Chopin. Ele criou novo estilo pianístico. Forte, nacionalista. Essas cores assumiram intensidade na Polonaise militar. A energia de Chopin foi percebida como sintoma político.
Por sua vez, Igor Stravinsky, egresso da burguesia culta de São Petesburgo, foi influenciado por Tchaikovski. E por Debussy. Após o fracasso da revolução de 1905, os intelectuais russos abandonaram o marxismo. E assumiram a poesia simbolista, o teatro de Stanislavski e a música de Stravinsky. O pássaro de fogo (1910). A sagração da primavera (1913). Obras difíceis. Experimentais.
O tempo passa. Vencemos um quarto do século XXI. Há uma música nova para o novo século? Agora, em 2025, que música interpreta esta época pintada de tintas de guerra? Oh, vértice abissal, anunciando impasses feitos de egos. Qual será a música apropriada para o século XXI? Que gênio contemporâneo produziria a música da conciliação? Que autor comporia partitura capaz de estimular os espíritos da sensatez? E selar a paz?



