Entre Paris e Manhattan, “The Walking Dead” segue sem destino
Novas temporadas revelam o que a franquia ainda tem a dizer e o quanto prefere andar em círculos
Quando “The Walking Dead” foi desmembrada em spin-offs, havia a expectativa de que os novos títulos revisitassem o universo zumbi com frescor e alguma coragem narrativa. Em vez disso, o que se vê nas segundas temporadas de “Dead City” e “Daryl Dixon” (principalmente na primeira citada) é um esforço visível de manter vivos personagens queridos sem, no entanto, entregar grandes avanços nas tramas ou no olhar sobre o mundo devastado em que vivem.
A boa notícia é que, embora nenhuma das séries impressione, ambas demonstram maior competência técnica e um mínimo de ambição em relação às temporadas anteriores. Vale lembrar que elas são disponibilizadas no Brasil pela Prime Video.
Leia Também
• "Até a Última Gota" é drama social com boas intenções e condução simplista
• Ao suavizar Ellie e tornar Abby vilã logo de cara, “The Last of Us” reformula sua própria narrativa
• “Overcompensating” constrói um retrato sobre a performance como sobrevivência
“Daryl Dixon”: Adeus, França. Olá, Inglaterra
Em “Daryl Dixon”, há uma leve sensação de melhora. A temporada termina sem grandes destaques, mas ao menos se despede da caótica aventura francesa com dignidade. A trama que gira em torno da fuga de Laurent nunca foi exatamente instigante, e sua conclusão, sem tanto peso ou consequência, parece admitir isso.
O arco messiânico do garoto, além de raso, serviu pouco mais do que como pano de fundo para os dilemas emocionais de Daryl e Carol, que sim, funcionam. Os dois entregam momentos genuínos quando trocam memórias, frustrações e mágoas.
Do lado técnico, há acertos pontuais. A sequência no autódromo zumbi é bem feita e a produção em Paris, embora subaproveitada, entrega visualmente. Já a nova empreitada pela Inglaterra soa como uma reconfiguração promissora. O visual do túnel, com zumbis bioluminescentes e alucinações por fezes de morcego, acena para a criatividade que a franquia tanto evita.
Claro que tudo é rapidamente engolido por delírios emocionais e diálogos sobre fantasmas do passado, mas há um esforço ali. Mesmo com uma direção protocolar, há mais coesão quando comparamos com a série estrelada por Maggie e Negan.
“Dead City”: o looping interminável de Maggie e Negan
Se em “Daryl Dixon” há um respiro, em “Dead City” o cansaço é explícito. A segunda temporada parece feita no piloto automático, repetindo os mesmos dilemas de Maggie e Negan desde que Glenn morreu (e isso foi há quase uma década).
A série tenta construir tensão a partir de reviravoltas mal explicadas e decisões ilógicas. Maggie, sempre no fio entre perdão e vingança, vira refém de um roteiro que exige que ela seja ingênua, depois impulsiva, depois nobre. Negan, por sua vez, se esconde em performances de sarcasmo e remorso que já foram mais interessantes.
A antagonista, que deveria dar alguma energia à narrativa, “morre” e retorna sem lógica ou relevância. A guerra entre gangues soa artificial, e as cenas de ação, como o ataque zumbi no esconderijo subterrâneo, são genéricas.
Dois caminhos, um impasse
No fim, as duas séries derivadas continuam apostando mais nos rostos conhecidos do que na reinvenção do universo que habitam. “Daryl Dixon” tenta se afastar do lugar-comum e até ensaia algo novo com a ambientação europeia, ainda que seus conceitos sejam subutilizados.
“Dead City”, por outro lado, insiste no drama circular e exausto de Maggie e Negan, apostando em emoção sem profundidade. Ambas resistem ao cancelamento à base da fidelidade dos fãs, mas começam a correr o risco de serem lembradas mais pelo esgotamento do que pela ousadia.
A essa altura do campeonato, talvez o maior desafio de “The Walking Dead” seja mesmo aprender a parar.
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.



