“Respira” tensiona o debate entre saúde pública e interesse político
Com Nawja Nimri, série retorna em outubro com segunda temporada
“Respira”, série espanhola da Netflix criada por Carlos Montero (Elite), constrói um drama hospitalar que se apoia nas urgências médicas, na tensão entre vida e morte, mas, sobretudo, nos bastidores de um sistema de saúde em crise, atravessado disputas políticas, precarização e conflitos geracionais. A segunda temporada, vale lembrar, chega na plataforma no dia 31 de outubro.
Ambientada em Valência, onde a saúde pública depende das decisões de cada comunidade autônoma, a trama acompanha médicos divididos entre o dever com seus pacientes e a iminência de uma greve por condições dignas de trabalho. Em meio a esses conflitos, surge Patrícia, vivida por Nawja Nimri (Vis a Vis, La Casa de Papel), uma política conservadora que defende a privatização do sistema de saúde, mas que, ao ser internada em um hospital público, é forçada a enfrentar de perto o colapso de um serviço que ela própria ajudou a desmontar.
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Premissa
A série parte de uma premissa real e urgente: na Espanha, o sistema de saúde é responsabilidade de cada comunidade autônoma, o que gera contrastes gritantes entre regiões. Em “Respira”, esse cenário serve de fundo para uma possível greve médica que escancara a tensão entre dever profissional e engajamento político. Os médicos discutem condições de trabalho e princípios. E fazem isso no meio de cirurgias, plantões e decisões de vida ou morte, além dos problemas pessoais.
O personagem Biel, interpretado por Manu Ríos (Elite), é um dos eixos desse conflito. Jovem residente, ele é confrontado dentro da sala de cirurgia sobre aderir ou não à paralisação, enquanto segura nas mãos a vida de um paciente.
Quem mais chama atenção no elenco é Nimri. Como Patrícia, uma política de direita que defende abertamente a privatização do sistema nacional de saúde, Nawja entrega uma atuação eficaz. Sua personagem é forçada a vivenciar, como paciente, a experiência do serviço que sempre desprezou. O confronto entre ideologia e realidade aparece não em discursos inflamados, mas em expressões de incômodo e pequenas derrotas. É um papel que exige controle, e Nimri domina esse ritmo sem cair na caricatura.
Saúde pública x saúde privada
Outro momento de destaque envolvendo Patrícia acontece quando, contrariada, ela descobre que um exame específico, que custaria uma pequena fortuna no hospital privado onde costuma ser atendida, está disponível de forma gratuita e com maior qualidade no sistema público.
A cena expõe o desconforto da personagem diante de um serviço que ela sempre tratou com desdém. A sequência revela o quanto “Respira” está menos interessada em fazer panfletos e mais disposta a colocar suas figuras políticas diante das consequências práticas de suas escolhas ideológicas.
O ponto não é só mostrar o colapso de uma convicção pessoal, mas usar esse embate como lente para discutir o desmonte silencioso de sistemas públicos em nome de uma suposta eficiência privada.
A série acerta ao evitar a romantização do sistema de saúde espanhol, mas também não deixa dúvidas: quando o lucro passa a orientar o cuidado, quem mais precisa é o primeiro a ficar de fora.
Temas bem trabalhados
“Respira” também permite abrir espaço para questões menos institucionais, mas igualmente urgentes: o uso de drogas entre jovens, a pressão psicológica cotidiana, a precarização do trabalho médico. Sexo, saúde mental e relações familiares aparecem como parte do quebra-cabeça humano de quem cuida dos outros, mas mal tem tempo para cuidar de si.
Há, sim, momentos em que o roteiro perde o equilíbrio entre o realismo seco e a estilização mais novelesca, sobretudo em algumas tramas paralelas que parecem construídas para gerar choque fácil. Mas isso não compromete o todo. O que sustenta a série é o seu desconforto. A câmera não busca glamour. A direção opta por tons frios e cortes secos, e o hospital nunca parece limpo demais ou organizado o suficiente, como na realidade.
“Respira” é, antes de tudo, uma série sobre limites: éticos, físicos, emocionais e sociais. Não oferece saídas fáceis nem vilões evidentes. No lugar disso, propõe perguntas que continuam ressoando depois do fim do episódio. E talvez, nesse tempo em que tudo é tão rapidamente descartado, isso já seja o bastante para dar o play na série.
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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