Dom, 14 de Dezembro

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Uma Série de Coisas

Três séries nacionais que valem seu tempo antes de 2026

Produções mostram maturidade narrativa e apontam caminhos distintos para a ficção seriada no país

Welket Bunguê tem destaque em "Reencarne", primeira série de terror da GloboplayWelket Bunguê tem destaque em "Reencarne", primeira série de terror da Globoplay - Divulgação/Globoplay

O último trimestre do ano costuma ser atropelado por listas internacionais e disputas de premiação, mas 2025 reservou boas surpresas com nossas séries brasileiras que não só merecem atenção como dizem muito sobre o momento criativo do audiovisual nacional

“Tremembé” (Prime Video), “Ângela Diniz” (HBO Max) e “Reencarne” (Globoplay) partem de gêneros diferentes, mas dividem algo em comum: coragem temática e ambição estética. Saiba mais sobre elas.

Ângela Diniz: Assassinada e Condenada (HBO Max)

A minissérie revisita o assassinato de Ângela Diniz, um dos casos mais emblemáticos da história criminal brasileira, mas evita o caminho previsível de tribunal e reconstrução literal. Em vez disso, a câmera se fixa nas conversas interrompidas, na tensão social que cerca a vítima antes da tragédia.

A força da produção está na releitura crítica do mito do “crime passional”, desmontado peça por peça. A direção trata Ângela (interpretada pela sempre ótima Marjorie Estiano) não como ícone, mas como mulher atravessada por abusos, expectativas e julgamentos que continuam reconhecíveis em 2025. 

É uma série sobre violência de gênero, mas também sobre sociedade, e sobre como narrativas oficiais são construídas e reproduzidas. O impacto vem justamente da recusa ao espetáculo, a série confia mais no desconforto do que na reconstituição.

Reencarne (Globoplay)

Entre as três, "Reencarne" é a que mais abraça o novo. Ambientada em uma pequena cidade do interior, a trama mistura drama familiar e terror psicológico ao seguir uma jovem marcada por episódios sobrenaturais que desafiam tanto a lógica quanto o ceticismo local. Aos poucos, a série transforma lendas, religião e trauma em um mesmo terreno, sem oferecer respostas fáceis.

Conta a história de um ex-policial, Túlio (Welket Bunguê), que após cumprir 20 anos de prisão por matar seu parceiro, Caio (Pedro Caetano), é surpreendido por Sandra (Julia Dalavia), uma jovem que afirma ser a reencarnação de Caio.

Seu maior trunfo é a construção de atmosfera: tudo é filmado como se o ar carregasse algo que não se vê. A trilha é contida, os diálogos são mínimos, e a câmera insiste em permanecer quieta, observando. O terror nasce do cotidiano, não dos sustos, o que o aproxima mais de produções nacionais do que do horror hollywoodiano.

Tremembé (Prime Video)

“Tremembé” funcionaria melhor se assumisse sem pudor o espetáculo que é: uma série pop, que é conduzida com êxito por Vera Egito, transformando o "presídio dos famosos” em um palco de vaidades e disputas quase teatrais. O ritmo é bom e o elenco segura bem o tom exagerado.

O problema é que esse mesmo exagero cobra seu preço. Ao transformar criminosos célebres em figuras de novela, a série reduz a gravidade dos casos a flashes decorativos e abandona qualquer reflexão sobre o que significam. 

“Tremembé” entretém, e vale apenas por isso. Tem seus pontos fortes, mas só funciona plenamente para quem aceita essa proposta sem esperar profundidade, o que não elimina, também, a qualidade das atuações.

As três séries apontam, cada uma à sua maneira, para um futuro em que o audiovisual brasileiro aposta menos no óbvio e mais na ousadia, no desconforto e na complexidade. Antes de virar o calendário, vale reservar algumas horas para elas, não apenas porque são boas, mas porque dizem muito sobre quem nós somos e o que escolhemos contar.

*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.

*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.

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