A arte em tempos de ânimos acirrados
Saída de diretores do festival Cine PE e o seu consequente adiamento retomaram o debate de como o setor tem refletido os conflitos de ideais dentro da sociedade
A política brasileira está em um momento de crise; assim como em outros países. E, com ela, o conflito ideológico veio à tona. Diante da fragilidade do governo petista, discursos contrários, tido como conservadores, afloraram. A partir daí, a polarização de pensamentos se tornou intensa. Esse confronto teve o seu reflexo no pensamento artístico: filmes, músicas, livros e peças de teatro acabam se tornando ferramentas para o posicionamento ideológico, argumentos para acentuar debates localizados em pontos extremos.
Um exemplo recente é o Cine PE Festival Audiovisual. Nesta semana, as notícias da saída de sete cineastas da programação, por não concordarem com a inclusão de filmes alinhados a posicionamentos de direita, e o consequente adiamento do evento, acabaram incorporando à mostra as disputas políticas que vêm pautando o cenário político recente.
“Acredito que um festival de cinema serve como campo de debate. É um lugar oportuno para você colocar as coisas sobre as quais é desfavorável. Se eles estavam contra esses filmes, seria maravilhoso que questionassem durante o festival”, diz Bruno Torres, um dos curadores desta edição do Cine PE. “Se todos os festivais brasileiros exibirem apenas filmes de esquerda ou direita, não teremos mais liberdade de expressão. Eu também tenho minhas ideologias. Sou um cara de esquerda, mas estarei no festival, porque acho importante esclarecer tudo isso”, ressalta.
O cineasta Rodrigo Bittencourt - diretor do longa “Real - o plano por trás da História”, apontado como um dos filmes ligados a um discurso conservador de direita - se disse surpreso com a rejeição à obra, sem ela ter sido vista. “O que assusta é que são meninos praticamente adolescentes agindo assim em seus primeiros filmes... Ou seja, as novas gerações de artistas do nosso País não conseguem lidar com as diferenças e vivem pedindo isso. Somos contadores de histórias. Posso falar de Napoleão, fazer um filme sobre Napoleão e não ser como Napoleão.”
Os eventos relacionados ao Cine PE sugerem a maneira como o engajamento político pode ser interpretado como forma de repressão. “O que está sendo mais prejudicado no Brasil é a democracia enquanto espaço do contraditório”, sugere Anco Márcio Tenório Vieira, professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco. “É um momento no qual a intelectualidade deveria estar refletindo. É um dos momentos mais ricos e interessantes da história do Brasil, e deveríamos ter respostas à altura. Não há porque o debate foi excluído. Temos hoje pensamentos autoritários de direita e de esquerda, cada um enclausurado nas suas purezas, se acusando mutuamente de ‘fascista’, ‘mortadela’, ‘coxinha’. Esses termos já esvaziam o debate”, ressalta.
Para o ator e diretor teatral Pedro Vilela, a arte está sempre associada à política, servindo de instrumento de diálogo entre visões contraditórias. “Se nossa sociedade tivesse mais contato com obras artísticas, não estaríamos passando por isso. É pelo fato de, durante tantos anos, o acesso à arte ter sido negado que, hoje, vivemos essa dificuldade de um debate coerente e equilibrado”, defende.
Idealizador e diretor do TREMA! Festival de Teatro, que termina neste fim de semana, Pedro defende que o evento deve abrir espaço para opiniões dissonantes. Ele cita como exemplo a escolha do projeto “Trilogia Abnegação”, da companhia Tablado de Arruar (SP). Os três espetáculos que integram a obra abordam as contradições que envolvem a chegada de um partido de esquerda ao poder.
“Temos princípios claros em relação à nossa curadoria. Fomos questionados por, mesmo estando alinhados a um pensamento de esquerda, termos colocado na grade um trabalho que é considerado antipetista por alguns. Se esse tipo de reflexão não existir, vamos acabar realizando festivais meramente doutrinários”, aponta.

