Seg, 15 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
Cultura+

A sutileza nas canções de Lucas Crasto, que lança músicas no YouTube

Cantor e compositor, Lucas conversa sobre seu projeto 'A Fábrica de Canções', do qual faz show nesta sexta-feira

Lucas Crasto apresenta seu projeto 'A Fábrica de Canções'Lucas Crasto apresenta seu projeto 'A Fábrica de Canções' - Foto: Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco

Com oito ou nove anos de idade, Lucas Crasto percebeu que nasciam, nele, algumas melodias. Ao longo dos anos, se descobriu compositor. Toca contrabaixo com alguns músicos, mas, neste ano, decidiu se projetar: veio com o projeto 'A Fábrica de Canções', com o qual lançou uma música inédita a cada terça-feira deste ano. Lucas, que faz show nesta sexta-feira (1º), às 21h, na Naylê Comedoria (Rua do Amparo, 71), em Olinda, conversou com a Folha de Pernambuco para explicar um pouco de onde brotam essas canções e melodias e sua influência no canto, na letra e na poética romântica, muito presente em suas letras.

Qual é tua história com a música?
Eu sou um músico de [alguma] idade, tenho 33 anos. Comecei minha relação com a música ainda na barriga de minha mãe. Sou de formação religiosa cristã, minha mãe, temente a Deus e nesse conceito religioso, teve uma gravidez delicada e ela, em uma promessa a Deus, disse que seu eu nascesse, ela me apresentaria a Deus em forma de canção - no intuito de ser um leviatã, aquele que na Igreja é um músico. Desde lá, fui preparado para isso. Toda minha educação e minha relação com minha mãe foi no intuito de ser um músico.

Toda vez que ela se referia à minha educação, ao futuro, ela se referia nesse sentido. ‘Como é que você vai ser um músico se você não…? Como você pretende ser um músico reconhecido no Brasil inteiro se você…?’. E, obviamente, ela dizia que eu ia ser reconhecido no mundo inteiro. Era de família: meu pai tocava seresta, meu avô também, meu bisavô também. Com nove anos eu comecei a estudar violão e já tocava com amigos. Com 12 anos, eu já tocava o contrabaixo na Igreja. Com 15 anos, eu comecei a tocar o contrabaixo na rua, nos palcos, com outros artistas, ainda com autorização da minha mãe para subir aos palcos, em boates na madrugada. E estou nessa até hoje.

Sou contrabaixista, já acompanhei vários artistas locais e nacionais que para mim são referências na música. Depois dessa trajetória todinha e já compondo desde criança, eu não imaginava que me classificariam compositor - e, mais do que isso, um cantor dessas canções. Eu não fazia ideia de que isso poderia acontecer. Decidi revelar essas canções e estou nessa transição entre sair de trás do palco e vir mais para frente, ter o comando do microfone, do público, da banda. Isso ainda é novidade pra mim, ainda está em construção.

Leia também:
Álbuns da banda Rouge são relançados após retorno aos palcos
O lado cultural do festival REC'n'Play
André Macambira mostra pluralidade de sua música ao lançar novo disco


Sobre o projeto “A Fábrica de Canções”, como ele surgiu?
Eu postava no YouTube em um canal meu, ‘Lucas Crasto’. E eu decidi gravar um disco - ‘Melodia que se parece com você - 10 canções e um segredo’ -, mas, diante das dificuldades todas, de ter me tornado um órfão e de como lidar com isso - especialmente em relação à música, porque a música, sagrada como é para mim, tinha a mesma referência para minha mãe, é como se fosse um presente dela -, não consegui lançar esse CD, que pretendo lançar no primeiro semestre do ano que vem. Mas, com esse disco (e outras composições anteriores), eu tinha por volta de 350 parcerias com um monte de artistas, compositores novos e velhos.

Decidi que precisava colocar essas músicas no ar, de alguma forma, e, despretensiosamente no meu Facebook, cantei algumas, uma aqui e uma acolá. Eu disse ‘e se eu fizer isso todo dia?’ - mas eu, inocente, não fazia ideia do trabalho que isso levaria. Acabou que o primeiro foi uma terça-feira e eu decidi fazer toda terça-feira, às cinco horas da tarde, no YouTube.

E isso foi popularizando, entre meus amigos, meus conhecidos, e acabou ganhando o conhecimento das pessoas, elas tiveram consciência, sabiam que eu estava fazendo um projeto ousado, que eu ousava cantar uma música inédita toda terça-feira durante um ano inteiro. São 42 terças-feiras. E eu não pretendo parar por aí: meu projeto de vida é lançar 500 músicas até eu morrer.



Como está sendo a recepção do público ao projeto?
Quem tem acesso à ‘Fábrica de Canções’ gosta demais. O guitarrista da minha banda, Thiago Rad, disse que quando era pequeno, no interior dele, quando dava quatro horas da tarde era a hora do doce sair. Aí de três horas, três e meia, o cheiro do doce tomava conta da cidade, aquele cheiro doce, forte, e aí todo mundo sabia, não precisava olhar no relógio, que eram três horas da tarde. Quando é terça-feira, quatro e meia da tarde, ele vai no nosso grupo e diz ‘ó o cheiro do doce, ó o cheiro do doce’, porque ele sabe que vai acontecer, que ‘A Fábrica’ vai para o ar.

As pessoas que têm acesso à ‘Fábrica de Canções’ acompanham e esperam a terça-feira. Quem tem acesso à ‘Fábrica’ acompanha, aguarda, espera e sente o cheiro do doce. Mas muita gente não tem acesso, ou tem acesso a um vídeo e pensa que aquilo é uma coisa remota que eu publiquei. E me faltava recurso de dizer que ‘A Fábrica de Canções’ é um projeto que dura o ano inteiro, que eu já lancei 43 músicas. Não sei se no Recife algum músico conseguiu fazer isso.

E, sim, as pessoas que eu consigo tocar com a Fábrica de Canções são tocadas - desde a minha mulher, ao amigo mais distante acompanham. E quem acompanha gosta. Agora, a quantidade de pessoas que têm acesso a essa música é pouca. Às vezes me preocupa, mas eu acho que é o ego do artista.

Porque diz o filósofo que o aplauso é o combustível do artista, e aí quando posto o vídeo e não tenho aquele público enorme, fico ‘poxa, eu passei a semana todinha fazendo’, porque dá um trabalho danado. E não é culpa, obviamente, das pessoas, mas sim dos scripts do Facebook, de tudo, de tanta informação que tem. Mas eu acho que ‘A Fábrica’ chega para a quantidade de pessoas que precisa chegar, mas, mais importante do que a quantidade de pessoas, é como ela chega no coração dessas pessoas. Eu recebo mensagens diárias de agradecimento - ‘cara, obrigada por essa canção de hoje’.

E a melhor e mais extraordinária parte disso é quando eu recebo mensagens dos meus ídolos, pessoas que eu não tive a oportunidade de tocar, que dizem ‘rapaz, eu vi um vídeo seu. Que coisa bonita’. É muito bacana. E mais do que isso: poder fazer parcerias. Tem um mestre da guitarra pernambucana que eu lancei em um dos vídeos passados, Fred Andrade, de uma canção chamada ‘Sagrado’. Outro também é o poeta consagradíssimo Xico Bizerra, Fabiano Menezes, o maior instrumentista do cello de Pernambuco. Um monte de gente bacana.

A gente estima que, com o YouTube e o Facebook, umas 40 mil pessoas já tiveram acesso à ‘Fábrica de Canções’. Uma vez fomos em uma praça gravar e a mulher disse ‘desculpe interromper, mas eu vi um vídeo com você!’. É muito bom quando tem esse feedback, porque dá um trabalho danado fazer e aí a gente - porque não tem o aplauso, e o artista é acostumado a terminar a canção e o povo aplaudir - não sabe quem está do outro lado da tela. Toda semana eu canto uma música e quando eu termino de tocar não tem o aplauso. Eu acho que Freud deve explicar isso. Para o artista é uma pancada. Não uma vez, duas vezes, mas toda terça-feira. É um desafio. Isso não é ruim, obviamente, mas foi meu maior desafio com a música até hoje.

Leia também:
Projeto Cine Musicado integra o Novembro Musical 2017
Porto Musical volta ao Bairro do Recife em fevereiro de 2018
Governo do Estado divulga aprovados do Funcultura da Música


De onde você tira inspiração para as músicas que você canta?
A melodia está em mim, eu canto melodias o tempo inteiro por estar acostumado a essas melodias que já estavam em mim. Brotam de quando eu ouço um pedaço de outra melodia e a minha cabeça reproduz o resto. Às vezes, até de uma forma curiosa para eu compor. O canto do pássaro, por exemplo, é uma melodia que minha cabeça produz o resto e, quando eu me dou conta, eu estou cantando um pedaço de melodia que eu nem ouvi direito.

Meu corpo, minha cabeça, se acostumou, desde criança, a reproduzir melodias. Eu institucionalizei isso e disse que, por causa disso, eu sou um compositor, mas talvez nem seja. Daí em algumas canções eu pego essas melodias e sofro o que tiver de sofrer e de suar para compor. Chico Buarque já dizia ‘99% da canção é suor e 1% de talento’. Mas melodia eu canto o tempo inteiro. Faço melodia com bula de remédio. Brincando.

E as músicas que você toca e canta na ‘Fábrica’ são criadas na semana da gravação ou existe um baú com canções guardadas?
Eu tenho um baú de músicas, sim, mas eu não planejo as músicas. Quando eu comecei ‘A Fábrica’ eu decidi - para complicar ainda mais a minha vida - lançar a música da semana como meu coração estiver sentindo. Então o que eu estiver sentindo naquela semana eu vou escolher uma música daquele tema e vou publicar.

Algumas dessas semanas eu fiz a música na semana e aí não conseguia cantar outra coisa, eu tinha que cantar ela mesmo. Mas não, não tenho um planejamento das músicas que eu vou lançar. Quando eu publico uma eu já começo a pensar na outra.



Você acredita que ‘A Fábrica de Canções’ tenha aberto o caminho para seu disco?
Com certeza. Como eu sou músico desde sempre, todo mundo sabia que eu tocava um instrumento, mas é diferente de ‘vai ter um show de Lucas Crasto’. Como assim vai ter um show? Essa transição de sair da cozinha, como a gente chama, de ser um músico que acompanha para ser protagonista, ter alguns acompanhantes para me acompanhar, é uma transição recente, nova.

As pessoas não sabiam que eu poderia cantar uma canção, não sabiam que eu tinha canções para cantar. E como é que eu vou lançar um disco se o povo pensa que eu sou baixista? Vão pensar que é um disco instrumental? Eu tive que arrumar um jeito de deixar isso esclarecido. ‘A Fábrica de Canções’ trouxe isso. O cancioneiro para mim. Me tirou de ser o contrabaixista, do barulho, para ser o cancioneiro, do silêncio, do violão, de canções, de tema. ‘A Fábrica de Canções’ ajudou sim, demais, nisso.

Tem mais algo que você queira acrescentar?
Sim. Eu quis falar da ‘Fábrica’ na terceira pessoa. Não sou eu. E também não sou um fabricante de canções. ‘A Fábrica’ é a história do cheiro do doce, que está ali, que acontece. A engrenagem anda e roda e a caldeira solta o fogo independentemente do que eu faça. Se eu ficar parado a música vai vir, eu não vou poder fazer nada, porque angustia. E se eu não quiser cantar a música ela me tira o sono, ela me tira o juízo, e eu tenho que cantá-la. Eu não tenho escolha.

Daí eu criei ‘A Fábrica de Canções’ não para dizer que eu seria ‘A Fábrica’, mas para dizer que eu faço parte disso. Do cheiro do doce, que vem e que se fabrica mesmo sem eu querer. ‘A Fábrica de Canções’ não é a história de ser um artista, de eu ser, mas dela ser. Eu tentei criar uma vida da própria ‘Fábrica’, como se fosse um personagem. Não eu. O lugar, os vídeos e a marca, tudo aquilo  é um conto.

Veja também

Newsletter