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DICAS

Como assistir aos filmes de Hitchcock: confira 5 dicas para entender o mestre do suspense

O diretor combinou técnicas de câmera, som e perspectiva para criar uma tensão e ansiedade quase insuportáveis no público

Grace Kelly e James Stewart em cena de 'Janela Indiscreta', filme de Hitchcock Grace Kelly e James Stewart em cena de 'Janela Indiscreta', filme de Hitchcock  - Foto: Foto: Reprodução


Procure a palavra “suspense” no dicionário, e provavelmente deveria haver um esboço da silhueta de Alfred Hitchcock ao lado. Ele nunca ganhou um Oscar competitivo — a Academia finalmente lhe concedeu um honorário em 1968 — mas o diretor britânico é, inegavelmente, um dos cineastas mais influentes do cinema, o tipo de realizador que até quem não é fã de filmes conhece de nome.

Mesmo que você não conheça seus filmes, há grandes chances de reconhecer a famosa cena do chuveiro em "Psicose" ou de já ter visto alguma paródia de sua obra em Os Simpsons. Minha própria introdução a Hitchcock aconteceu aos 3 ou 4 anos de idade: em "Siga aquele pássaro", de Vila Sésamo, um avião sobrevoa o Garibaldo em um milharal para chamar sua atenção — uma homenagem a uma cena icônica de "Intriga Internacional".

A obra de Hitchcock é marcada por imagens cuidadosamente enquadradas e um gosto particular por manipular nossas emoções, mas seu maior talento era nos deixar em pânico — e ensinar outros cineastas a fazerem o mesmo. Aqui vai um guia introdutório sobre como o mestre do suspense cria o suspense.

‘Janela Indiscreta’ (1954)

Hitchcock adorava nos colocar diretamente na mente de seus personagens — muitos deles mergulhados em obsessões e desejos — para brincar com nossas próprias emoções e nervos. Janela Indiscreta gira em torno de um hábito muito familiar para quem vive em grandes cidades: espiar, com certo fascínio (e culpa), pela janela do vizinho.

Jeff (James Stewart) é um fotojornalista preso em seu apartamento em Greenwich Village com a perna engessada do quadril até o pé. Frustrado e entediado, ele passa a observar a vida dos vizinhos do prédio em frente — um compositor, uma dançarina, uma mulher solitária, um casal briguento — e começa a suspeitar que um deles cometeu um assassinato.

Para entendermos a história e sentirmos crescer a obsessão de Jeff, precisamos ver o que ele vê e deixar nossa curiosidade crescer junto com a dele. Para tornar esse paralelo mais visceral, Hitchcock nos coloca atrás da lente teleobjetiva da câmera de Jeff. O tremor e o enquadramento são os mesmos que ele vê. Assim, não estamos apenas observando Jeff: estamos participando de seu voyeurismo — e começamos a nos perguntar se também estamos ficando loucos.

‘Os Pássaros’ (1963)

"Os Pássaros" se desenrola como um pesadelo. Nada do que acontece tem explicação clara — é apenas aterrorizante. Melanie Daniels (Tippi Hedren) segue um homem até uma pequena cidade, e, após sua chegada, pássaros começam a atacar humanos de forma inexplicável e violenta. Em uma cena-chave no início do filme, tudo parece muito normal. Melanie está sentada em um banco, fumando, enquanto crianças cantam dentro de uma escola próxima. Mas, aos poucos, corvos começam a pousar em um trepa-trepa: primeiro alguns, depois mais, até que uma massa crítica se forma e se torna ameaçadora — mesmo que Melanie ainda não entenda o motivo.

Essa cena cotidiana ganha força — e nos assusta — por causa da forma como Hitchcock constrói o que vemos. Durante grande parte da sequência, estamos na perspectiva de Melanie, observando-a fumar e escutar as crianças. Mas o diretor intercala com cortes que mostram os corvos se acumulando, percebidos aos poucos por ela.

Finalmente, quando vemos um único corvo pousar, a câmera revela que o trepa-trepa está completamente coberto de aves. Vemos o que ela vê: uma súbita e estranha multiplicação. Os corvos estão apenas parados — mas ela está apavorada. E nós também.

‘Um Corpo que Cai’ (1958)

Hitchcock adorava usar técnicas de câmera que nos fizessem não apenas ver, mas sentir tensão, medo, ansiedade ou pânico. Para ele, o cinema era um jogo de manipulação com os espectadores, tirando-os de seu estado emocional e os colocando em outro.

Isso muitas vezes significa usar enquadramentos e edições que criam desorientação. Em "Um corpo que cai", James Stewart vive mais um homem obcecado. Desta vez, ele é Scottie, que se torna fixado por Madeleine (Kim Novak), esposa de um homem que o contratou para segui-la e descobrir por que ela anda se comportando de forma estranha. Scottie sofre de vertigem, uma condição que acabou com sua carreira como detetive após ver um colega cair de um telhado durante uma perseguição.

Naturalmente, quando Scottie persegue Madeleine por uma escada em espiral em um campanário, a vertigem se manifesta. Mas nem todo mundo sabe como é sentir vertigem ou medo de altura. O desafio de Hitchcock era colocar você no lugar de Scottie e fazê-lo sentir o que ele sentia. Foi aí que seu operador de câmera, Irmin Roberts, inventou o dolly zoom — um efeito tão associado ao filme que ficou conhecido como “efeito vertigo”. O fundo da imagem muda de tamanho em relação ao sujeito, criando uma sensação de queda. Que, claro, é exatamente o que Scottie está imaginando naquele momento.

‘Psicose’ (1960)

A cena mais assustadora de Hitchcock também é uma das mais enganadoras. Logo no início de Psicose, Marion Crane (Janet Leigh), uma mulher em fuga, procura abrigo da chuva no Bates Motel. Após jantar com o estranho proprietário, Norman (Anthony Perkins), ela toma um banho quente. E então… bem, você provavelmente já sabe o que acontece.

Tomar banho em um banheiro desconhecido já é desconfortável. Você está vulnerável. Hitchcock primeiro nos deixa aproveitar o prazer do banho, mas em seguida posiciona Marion no canto inferior direito do quadro, deixando uma área nebulosa acima de seu ombro direito. Através da cortina, podemos ver algo que ela não vê: uma figura se aproxima lentamente. Ainda não dá para saber se está armada — mas isso quase não importa. Já sentimos que algo está muito errado.

O resto da cena é como um ataque: a figura corta e esfaqueia Marion com uma faca. A sequência tem impressionantes 78 tomadas e 52 cortes. A maioria são closes, mostrando apenas fragmentos da ação. Os cortes são rápidos e caóticos.

De alguma forma, entramos na cena, participamos da violência e do pânico. Nossa mente é forçada a preencher as lacunas, e como muitos fãs de terror sabem, nossa imaginação geralmente cria algo mais assustador do que qualquer cineasta pode mostrar. Muitos juram que o filme mostra o corpo nu de Leigh — mas isso é só sua imaginação.

‘O homem que sabia demais’ (1956)

Hitchcock frequentemente elimina o diálogo em momentos de extrema tensão — e talvez nenhum seja tão eficaz quanto a cena perto do fim da versão de 1956 de "O homem que sabia demais". James Stewart e Doris Day são Ben e Jo McKenna, um casal que se envolve sem querer em um plano de assassinato após o sequestro de seu filho.

Na cena final, o casal está na Royal Albert Hall, em Londres, tentando impedir um assassinato. Eles se reencontram e conversam intensamente, mas Hitchcock não nos permite ouvir o que dizem. Tudo o que escutamos é a orquestra — e a música constrói uma tensão crescente. Como se quisesse enfatizar que tudo está chegando ao clímax, vemos um homem apontar uma arma no exato momento em que um músico se prepara para bater os pratos. Hitchcock alterna entre o músico e o dedo do atirador, como se os dois estivessem ligados.

No momento final, a arma é apontada, vemos o alvo, Jo grita — e os pratos colidem. É um momento de catarse para nós e para o filme. O grito de Jo e o som metálico são um só com o choque da plateia no Royal Albert Hall, que se levanta em uníssono. O que, se você pensar bem, pode refletir exatamente o que está acontecendo na sala de cinema — todos reagindo ao controle que Hitchcock exerce sobre cada um de nós.

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