Deborah Colker: 25 anos de companhia e inquietação artística
A coreógrafa traz a Pernambuco o espetáculo 'Nó' e concedeu entrevista exclusiva à Folha de Pernambuco para contar da correria da vida e da profundidade do seu fazer artístico
Deborah Colker atende o telefone para conversar com a Folha de Pernambuco com a empolgação e a hiperatividade conhecidas. Antes mesmo de ouvir a primeira pergunta, já desata a falar sobre os trabalhos de sua companhia, que está celebrando 25 anos de trajetória. O tempo de entrevista é curto para o tanto que a coreógrafa carioca tem a dizer. É do tipo de artista que está sempre envolvida em vários projetos simultâneos e nunca recusa um novo desafio. Enquanto planeja novas viagens com seu mais recente espetáculo, "Cão sem plumas", se prepara para uma nova montagem e ainda circula pelos palcos brasileiros revisitando a coreografia "Nó", que chega a Pernambuco em julho.
"É uma loucura", admite Colker sobre sua rotina atual. Nada muito diferente do que já vem encarando ao longo da carreira, sempre emendando um trabalho no outro. Não é à toa que encontrar o nome da artista na ficha técnica de algo em cartaz tem sido tão corriqueiro ultimamente. Um exemplo é "Ovo", espetáculo do Cirque de Soleil criado e dirigido pela coreógrafa em 2009 e que fez sua primeira turnê pelo Brasil em março deste ano, passando por Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.
Somando a produção circense às coreografias assinadas com a companhia, uma peça teatral dirigida recentemente e a criação da abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016, Colker já experimentou quase todos os tipos de linguagens cênicas existentes. Isso, no entanto, não leva a diretora a se acomodar. Inquieta, ela fareja uma oportunidade de se superar a cada nova missão abraçada. "Nunca dirigi uma ópera, por exemplo, mas é algo que pretendo um dia. Também faltava um filme. Provavelmente, começo a filmar no final deste ano ou no ano que vem um documentário sobre a companhia", revela.
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Com o musical "O Frenético Dancin' Days", que estrou em agosto do ano passado e segue fazendo apresentações pelo Brasil, Deborah comandou pela primeira vez uma obra teatral. A carioca aceitou a tarefa de levar para os palcos o espírito da icônica boate fundada em 1976 por Nelson Motta e um grupo de amigos. "Foi incrível. Já tinha trabalhado com atores antes, mas, dessa vez, tinha a função de contar uma história não só através do corpo, mas também da palavra. Ao mesmo tempo, como o tema é uma discoteca, claro que a dança não deixou de estar presente", conta.
Para o segundo semestre, a carioca volta a se dedicar a "Cão sem plumas", que rendeu à companhia o Prix Benois de la Danse, considerado o Oscar da dança, em 2018. O espetáculo viaja, em agosto, para a Alemanha e o Uruguai. Baseada no poema do pernambucano João Cabral de Melo Neto, a coreografia é apontada pela diretora como outro divisor de águas de sua trajetória.
"Todo mundo fala que é meu espetáculo mais brasileiro. Ele é, mas também consegue ser universal, porque fala da miséria humana. A gente fez em Londres, no mês de maio, e as pessoas entenderam as palavras, o Capibaribe, o mangue e como esse rio vai crescendo e acompanhando as histórias daqueles ribeirinhos", aponta.
Enquanto vê os filhos já gerados ganhando o mundo, a carioca direciona seu potencial criativo para a formulação de um novo espetáculo de dança: "Cura", que tem previsão de estreia para 2021. "Esse trabalho está exigindo muito de mim. Olha o título dele. Que palavra potente, difícil para todos nós, de todas as culturas e religiões. Estou falando da cura física, emocional, intelectual e espiritual também", adianta.
A realidade da Cia. de Dança Deborah Colker anda na contramão da maioria dos grupos artísticos do Brasil. Em um momento em que importantes patrocínios culturais estão sendo cortados, a companhia não teve suas atividades afetadas. "A Petrobras é nossa mantenedora desde 1996 e temos esse contrato firmado, pelo menos, até o final do ano. Agora também contamos com o apoio da Votorantim. Vivemos um cotidiano de grande companhia", relata. Um privilégio que, para a artista, exige uma contrapartida. "Nosso papel é mostrar como a cultura é importante, capaz de gerar emprego, educação e evolução no País. Por isso, não tenho que reclamar, mas sim continuar lutando", considera.
Um clássico revisitado
Para celebrar os 25 anos da sua companhia, Deborah Colker decidiu voltar com uma das obras mais importantes da sua trajetória. Lançado em 2005, na Alemanha, "Nó" é apontado pela coreógrafa como o início de uma mudança de rumo. "Eu estava em um caminho de investigação do corpo e do movimento no espaço. Não larguei nada disso, mas depois desse espetáculo a condição humana ganhou uma proporção muito maior no meu trabalho", explica a diretora, que apresenta a montagem no Teatro Guararapes, no dia 19 de julho, às 21h.
A proposta de "Nó" é falar sobre o desejo como parte da natureza humana. "A gente não escolhe desejar. Nós somos seres desejantes. E muitas vezes esse desejo esbarra em leis humanas, no que é permitido ou não, no que tem que ser sublimado", comenta a criadora. O espetáculo retorna aos palcos transformado. Antes de reapresentar a obra ao público, Colker fez alterações significativas em sua estrutura.
Uma das mudanças mais perceptíveis está na trilha sonora. O compositor Berna Ceppas, que assina a direção musical, criou temas novos e a música "Carne e osso", da banda Picassos Falsos, embala um duo romântico. "É uma cena que fala das relações de poder e dominação. Pedi para o cantor Toni Platão gravá-la cantarolando, mas também falando, como se estivesse declamando uma poesia, porque é muito importante ouvir a letra", diz.
Após 13 anos, a diretora se sente mais madura para abordar o tema do desejo sem tabus. "O espetáculo começa com uma mulher pedindo para ser amarrada por um homem, só que ela comanda isso. Ela não está sendo violentada. É um ritual consentido e acordado pelos dois. O respeito às vontades individuais é uma assuntou que toquei em 2005 e permanece atual", defende.
O cenário concebido por Gringo Cardia traz, no primeiro ato, 120 cordas que formam uma árvore e representam laços afetivos. Amarrados, os bailarinos se soltam aos poucos, representando técnicas como o bondage (fetiche que utiliza cordas para provocar dor e prazer). Já no segundo ato, os artistas dançam dentro e em volta de uma imensa caixa transparente, que evoca o mundo urbano. Alexandre Herchcovitch assina os figurinos, que transitam entre a leveza e o erotismo.
Serviço
Espetáculo "Nó", da Cia. de Dança Deborah Colker
19 de julho, às 21h
Teatro Guararapes (Centro de Convenções, Av. Prof. Andrade Bezerra, s/n, Salgadinho, Olinda)
R$ 140 (plateia) e R$ 75 (balcão)
Informações: (81) 3182-8020


