Em honra aos indígenas
Livro “Os fuzis e as flechas”, de Rubens Valente, traz à tona, por meio de documentos e depoimentos, a resistência dos povos na ditadura militar
Durante o período militar, como em qualquer outra época, a história das populações indígenas foi pouco ou mal contada. Com um ano de dedicação integral - e quase uma vida toda como repórter em contato com o tema - após percorrer diversas aldeias, dez estados e muitos documentos, o jornalista Rubens Valente conseguiu diminuir essa lacuna da história nacional. “Os fuzis e as flechas - história de sangue e resistência indígena na ditadura”, lançado recentemente pela Companhia das Letras, narra as políticas que resultaram em centenas de mortes por epidemias, falta de medicamentos, trabalho escravo e outras violências. Assunto que deveria ser lembrado todos os dias e, ainda mais, neste 19 de abril, quando se comemora no Brasil o Dia do Índio.
Colocando trechos oficiais e depoimentos que, por vezes, se contradizem, Valente narra os acontecimentos de maneira franca, sem romantismo. Frequentemente ele cita a fonte direta, o documento exato e o momento da entrevista num convite ao leitor para checar e mergulhar com ele na história. Repórter desde 1989, Valente teve seu primeiro contato com os índios ainda criança. “Aos 12 anos, em 1982, a minha família morava em Dourados (MS), eu via muitos índios de uma aldeia próxima vindo à cidade. Não tinha noção de como era a vida deles, mas fui descobrindo ao longo da carreira. Conheci em torno de 40 aldeias por meio de diversas pautas e escutava muitas histórias, especialmente da época da ditadura”, lembra Valente.
Trabalhando na sucursal da Folha de S. Paulo, em Brasília, ele conseguiu se dedicar integralmente ao projeto em 2013, afastando-se temporariamente do jornal. Isso foi após todos os documentos terem sido liberados pela Comissão da Verdade. “Em 2012, a Comissão liberou a busca também por pessoa e não apenas por tema. Isso ajudou, vários documentos restritos que continham registros da época ficaram disponíveis”, pontua.
O autor planeja escrever outro livro de 1985 até a atualidade, para investigar o que aconteceu com o índio na democracia. “Mudou de forma, de estilo, mas a violência continua. É uma violência jurídico-legislativa, que criminaliza aspectos da luta indígena”, descreve. Entre os exemplos, ele cita a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/00, que deixaria a demarcação das terras indígenas nas mãos do Poder Legislativo. “Temos uma bancada ruralista forte, com a crença que o índio precisa deixar de ser índio, e se transformar em um pequeno agricultor. O índio não deixa sua cultura por usar jeans, estudar e morar na cidade. Mas a ideia da agricultura transforma a terra indígena em um produto, em algo comercializável, o que não é. Aquilo é do grupo, do futuro”, explica.

